Conflito de ideias A liberdade é algo que se conquista e só assim se exerce. Não se dá, nem se tira
“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Assim está esboçado no primeiro artigo da declaração universal dos direitos humanos. Se há boas intenções nos redatores desse artigo, ele, por outro lado, é falso pela prática humana, pelas tradições culturais distintas de que se desfruta nas diversas partes do mundo. Rousseau, muito antes da redação dessa declaração, já havia dito “o homem nasceu livre, e em toda parte se encontra sob ferros”, revelando a todos que a submissão social aprisiona a todos em suas idiossincrasias, limitando ou mesmo impedindo (ou tentando impedir) a liberdade dos seus membros, aprisionando a todos nos seus prazeres e luxos, corrompendo as pessoas.
De fato, todos nascemos tutelados pelos pais ou por instituições. Essa tutela obriga as crianças à religiosidade dos pais, aos costumes do grupo social, as ideologias culturais na qual a sociedade em que nasce está inserida. Se quiser escolher sua própria religião, ou mesmo não ter religião, provavelmente romperá os elos familiares, será estigmatizado ou mesmo afastado do convívio.
Na verdade, se pode com o tempo e com a idade conquistar a liberdade, ainda que poucos de fato ambicionem a mesma ou tenham coragem e força para conquistá-la, devido ao esforço necessário para obtê-la. Mas, não nascemos livres; nascemos com potencialidade de conquistar a liberdade. Só quando se liberta da tutela é que se traça um caminho próprio. Só quando se escolhe entre a variedade de posições sociais, ou se inventa a própria, realmente se exerce a liberdade; seguir as escolhas familiares não é escolha, é acomodamento ou submissão.
Ainda que haja pais que estimulem a autonomia dos seus filhos, a grande maioria, pelo contrário, alimenta a dependência e a submissão, obrigando os mesmos a se adequarem aos valores familiares, a subordinarem-se à família. Em muitos casos, a busca por uma vida própria e autônoma resulta no rompimento dos laços familiares.
Se muitos se dizem partidários da liberdade do ponto de vista teórico, na prática a mesma é abominada por quase todos. Aliás, a grande maioria a teme, desconfia dela e muitos acreditam que ela leva a licenciosidade, tanto que querem sempre limitá-la. Com raras exceções os pais suportam que seus filhos façam suas escolhas religiosas, política, social, cultural. A escolha livre e diferente é por vezes considerada uma verdadeira traição à família.
A grande maioria quer traçar o destino das crianças e jovens, impedindo-os de darem passos próprios, de seguirem um caminho distinto, de ter uma outra compreensão da vida e do mundo. Não por maldade, por costume, por crenças arcaicas herdadas na família.
A liberdade é algo que se conquista e só assim se exerce. Não se dá, nem se tira. Mas, ela não vem sem algum esforço, alguma coragem, alguma sabedoria e ação individual na arena pública, para afirmar a individualidade própria. Mesmo que pais e a sociedade queiram impedir a liberdade de seus membros, a submissão só é possível com algum tipo de consentimento, ainda que inconsciente, na busca de algum tipo de prêmio ou vantagem.
A família ao invés de preparar suas crianças para o exercício da liberdade, tentam impedir a independência e autonomia dos jovens, querem aprisioná-los nos seus costumes e gosto, coagindo a todos aos valores que adotaram. O resultado tem sido jovens sem condições de fazerem escolhas, de decidirem e dependentes dos pais. Cada vez mais aumenta o tempo em que os filhos ficam na dependência dos pais, sem deliberarem sobre suas vidas e se adequando a realidade ao invés de moldá-la. Comodismo e apatia é o que se estimula.
A única forma de ser livre é ensinar desde pequeno as crianças a realizarem escolhas, criando disposições para a coragem e a sabedoria, para a justiça e a liberdade. É preciso deixar as crianças realizarem experiências, pois só se aprende escolher quando se pode experimentar desde pequeno. Que os pais temam que seus filhos se percam, mais perdidos eles estão quando não tem autonomia para deliberar sobre si ou sobre a vida e o mundo quando se chega ao mundo adulto, tornando-se submissos.
Roberto de Barros Freire, é professor do Departamento de Filosofia da UFMT.
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