A fantasia, o teatro de máscaras e as panelas
O que para Jair Bolsonaro não passava de uma “gripezinha” que colocaria em risco os “velhinhos de Copacabana”, transformou-se em pandemia. Revela-se, da noite pro dia, quase um pandemônio. Amedrontados, milhares de brasileiros entraram em quarentena nesta semana. Só que muito além das medidas de contingenciamento promovidas pela iniciativa privada, a crise trouxe à baila o governo federal que, diante da realidade inegável dos fatos, viu-se obrigado a também apresentar uma série de ações de combate à crise do novo coronavírus.
O problema sanitário afeta diretamente a saúde coletiva e, claro, os sistemas político, econômico e financeiro mundial. Exemplo disso é que diversos líderes mundiais emitiram alertas claros sobre a possibilidade de um verdadeiro colapso. Informações e orientações foram repassadas às populações. Medias foram rapidamente adotadas. Enquanto nos trópicos, assistíamos atônitos aos discursos jocosos do presidente da República, que preferia reduzir a situação à “fantasia”. Resultado disso: um pacote de medidas foi apresentado somente 20 dias após o registro do primeiro caso no Brasil.
Nesta ‘ficção científica’ cuja narrativa é de responsabilidade da imprensa, viu-se uma enxurrada de informação posteriormente comprovada e quase nada de Fake News. Ao imputar a culpa sobre o drama social ocasionado pela pandemia novamente à mídia que, segundo ele, estaria fazendo grande alarde e promovendo uma histeria desnecessária, o presidente deu exemplo claro de como se age no fantástico mundo de Bolsonaro.
Ainda sem o resultado da contraprova que, felizmente, mais tarde refutaria a possibilidade de contaminação pelo coronavírus, correu despreocupadamente para os braços dos seus apoiadores, que se aglomeravam na porta do palácio da Alvorada ignorando, assim como ele, os alertas emitidos pela Vigilância Epidemiológica, do Ministério da Saúde, de seu próprio governo. Questionado sobre a atitude, justificou: “problema é meu”!
Interessante é que o problema dele surgiu após visita a seu ídolo Ianque. O vírus fora importado pela comitiva presidencial. O primeiro a contrair a doença foi o ministro Bento Albuquerque, da pasta de Minas e Energia. Depois o ministro-chefe do Gabinete da Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, general da reserva Augusto Heleno. Na semana anterior aos protestos contra o Congresso, o secretário de Comunicação da Presidência da República, Fábio Wajngarten, já havia sido diagnosticado com coronavírus.
E, muito embora outras pessoas do grupo, inclusive o próprio Bolsonaro, estarem sob suspeita da doença, o que se viu durante a coletiva de imprensa realizada na quarta-feira (18) foi uma imagem completamente diferente. Sem beijos, abraços e selfies. Todos os ministros, inclusive o próprio presidente, usando máscaras. É ou não uma cena digna dos famosos bailes máscara de Veneza... ou melhor, Copacabana?
Banana aos jornalistas. Muito teatro e encenação. Um verdadeiro circo, digno da peça ‘O Príncipe’, de Nicolau Maquiavel, que apontava que a dissimulação é regra na política. E ‘o príncipe brasileiro’, neste caso, assume o papel de vítima do modelo republicano, cujas bases são independência e harmonia entres os poderes. Nessa luta fantasiosa entre o bem e o mal, caminhamos para o democracídio. Pessoas se valem da própria democracia para pedir o seu fim. Pedem um novo AI-5 e a volta do regime dos militares. Num contraponto, outros já defendem a abertura de um novo processo de impeachment.
O agravamento da crise institucional faz o país sangrar. É tudo o que não precisávamos para tirar o pé da lama. E aqui deixo claro que não defendo os atos do Legislativo ou o Judiciário. Mas o respeito à democracia, à Constituição Federal e à República. Sim, Bolsonaro é nosso presidente legitimado pelas urnas e, portanto, tem obrigação de governar o Brasil pelos próximos três anos. Para isso, precisará falar menos, fazer mais, atacar menos e trabalhar mais. Afinal, os ares de mudança ventilam juntos à pandemia do novo coronavírus. E, se ele não se cuidar, poderá ser aniquilado pelos anticorpos da democracia.
“Tim, tim, tim!”. Soam as panelas. Bate o sino. Ringue aberto. O som vem do alto dos edifícios. É de novo a classe média, que, de seus camarotes, cumprindo quarentena, começa a despertar de um sono profundo, provocado pelos efeitos narcotizantes da propalada corrupção institucionalizada pelo governo anterior. O Brasil precisa de equilíbrio. E a eleição do Bolsonaro só fortaleceu o discurso social do “nós contra eles”. PT e Bolsonaro se retroalimentam. Um não vive sem o outro. São os dois lados desse multiverso país chamado Brasil.
Ao que tudo indica, a classe média parece não ser mais a mesma daquele primeiro panelaço realizado contra a então presidente da República, Dilma Rousseff, registrado no dia 8 de março de 2015, acompanhado de gritos de “Fora Dilma” e “Fora PT”. O que se ouviu ontem em todo o Brasil foi “Fora Bolsonaro”. Será o efeito bumerangue desta democracia tropical, numa tentativa de equalizar os polos em busca de um caminho mais ao centro?
* Hugo Fernandes é jornalista, especialista em Comunicação Estratégica, Assessoria de Imprensa e Marketing Político.
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