As mulheres sofrem mais com a pandemia
Desde o início de 2020 o mundo está com a atenção voltada para o surto da COVID-19, o qual tem gerado consequências desastrosas na vida de bilhões de pessoas. Na verdade, podemos dizer que não há uma só pessoa no planeta Terra que não tenha experimentado algum efeito danoso desta pandemia.
Indiscutivelmente, todos tivemos nossas vidas afetadas pela nova doença, seja porque a contraímos ou estamos assustados com a possibilidade de contraí-la, fomos hospitalizados ou tivemos um ente querido que morreu em sua decorrência; uma vez acometidos por outras enfermidades, ficamos sem atendimento médico-hospitalar já que os casos de COVID-19 têm colapsado os sistemas de saúde mundo afora; ficamos sem emprego ou tivemos nossos ganhos diminuídos; tivemos nossa saúde mental e física deterioradas; entre outros.
Todavia, uma parte muito significativa da sociedade tem sofrido exacerbadamente os efeitos desta pandemia: as mulheres. No dia 09 de abril de 2020, a Organização das Nações Unidas lançou um relatório sobre o impacto da pandemia para as mulheres nas esferas da saúde, da economia, da proteção social e da violência, no qual destaca também as consequências da atual crise na violência doméstica e de gênero.
De acordo com este relatório, as mulheres estão sendo desproporcionalmente afetadas no nível econômico porque ganham menos, economizam menos, têm empregos menos estáveis, estão mais suscetíveis a empregos informais e representam a maioria das famílias monoparentais. “A situação é pior nos países em desenvolvimento, onde a grande maioria do emprego das mulheres - 70% - está na economia informal, com poucas proteções contra demissões, sem direito à licença médica remunerada e acesso limitado à proteção social”.*
Elas também têm sua saúde mais impactada. Em muitos países, as mulheres têm menos acesso a serviços de saúde de qualidade, especialmente em comunidades rurais e marginalizadas onde normas sociais restritivas, misoginia e discriminação podem limitar o acesso das mulheres aos serviços de saúde. Ademais, globalmente as mulheres representam 70% dos profissionais de saúde e, portanto, estão mais propensas a atuarem na linha de frente do combate à pandemia, estando mais expostas ao risco de contaminação.
Além disso, o desvio de atenção e recursos para atender à pandemia pode incrementar as taxas de mortalidade e morbidade maternas e aumentar as taxas de gravidez na adolescência. “Na América Latina e no Caribe, estima-se que mais de 18 milhões de mulheres perderão acesso regular a contraceptivos modernos dado o contexto atual da pandemia da COVID-19”.*
Ademais, com as crianças fora das escolas e a aumentada necessidade de atenção especial aos idosos e aos membros da família que estão enfermos, as mulheres, que já eram as maiores responsáveis pelas tarefas domésticas não-remuneradas e pelo cuidado com a família, estarão ainda mais sobrecarregadas. “Antes do surto da COVID-19, as mulheres realizavam três vezes mais cuidados e trabalhos domésticos não-remunerados do que os homens”.*
Como se não bastasse, durante a pandemia as mulheres também estão mais suscetíveis à violência doméstica e de gênero. À medida que a COVID-19 avança, a violência contra as mulheres tende a se intensificar, devido à onipresença do agressor e porque as dificuldades econômicas, o estresse social e o confinamento nas casas passam a funcionar como precipitadores situacionais da violência com grande influência em conflitos interpessoais.
Em alguns países, os registros de violência doméstica dobraram e, possivelmente, refletem apenas os casos mais graves, uma vez que com as casas mais cheias e a reduzida mobilidade, as mulheres têm mais dificuldade de acessar os meios necessários para realizar denúncias. Além disso, os serviços de suporte estão sobrecarregados, indisponíveis, afetados pelo confinamento ou pela realocação de recursos. “Alguns abrigos para vítimas de violência doméstica estão cheios; outros tiveram que fechar ou foram reaproveitados como centros de saúde”.*
O documento das Nações Unidas traz uma série de recomendações para minorar o impacto da COVID-19 nas mulheres, entre elas: expandir programas de transferência de renda focados nas mulheres; ampliar a proteção social básica principalmente às trabalhadoras informais; dedicar atenção especial às profissionais da saúde que estão na linha de frente do combate à pandemia, com assistência psicossocial e EPIs adequados; ampliar os recursos destinados aos abrigos para vítimas de violência doméstica e redirecionar espaços agora não utilizados para o acolhimento destas vítimas; etc.
Certo é que neste cenário de efeitos desproporcionalmente mais negativos para as mulheres em decorrência do surto da COVID-19, aumenta-se a necessidade de políticas públicas focadas no desenvolvimento socioeconômico das mulheres e no combate dos casos de violência doméstica e de gênero.
* Trechos retirados e traduzidos do Policy Brief: The Impact of COVID-19 on Women das Organizações das Nações Unidas, disponível em https://www.un.org/sites/un2.un.org/files/policy_brief_on_covid_impact_on_women_9_april_2020.pdf, com acesso em 16 de abril de 2010.
Franklin Epiphanio é Tenente Coronel da PMMT, Coordenador Estadual da Rede Cidadã e possui mestrado em Policing pela University College London.
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