Nova lei emergencial de recuperação judicial é alternativa para crise da COVID-19
A lei no Brasil já nasce com projetos legislativos para sua alteração. A discussão acerca das alterações da Lei nº 11.111, de fevereiro de 2005, teve início em novembro daquele mesmo ano com a apresentação do projeto de Lei nº 6.229/2005. Desde então não faltaram projetos legislativos para alterar os procedimentos da recuperação judicial e da falência no Brasil. O próprio Poder Executivo apresentou o famigerado projeto de Lei nº 10.220/2017 que conseguiu a proeza de ser rechaçado conceitualmente por todos. A partir de novas discussões técnicas, foi elaborado um substitutivo do projeto de Lei nº 6.229/2005. Este era o cenário legislativo até o reconhecimento da pandemia da COVID-19, ou seja, a tramitação do substitutivo do projeto de lei 6.229/2005.
Agora, distancia-se do projeto legislativo ordinário para alavancar um projeto legislativo emergencial. Nasce o projeto de Lei nº 1.397/2020 para atender as necessidades financeira-econômicas que surgirão neste período de estado de calamidade pública. A preocupação inicial foi afastar temporariamente os previsíveis deferimentos de falências. A princípio seria uma alteração pontual, mas com as discussões técnicas as intenções legislativas foram alargadas.
Assim, com o louvável propósito de prevenir a crise econômico-financeira do agente econômico provocada pelo lockdown (COVID-19), deverá ser votado na Câmara dos Deputados, em Brasília, nesta próxima semana, o projeto de Lei nº 1.397/2020 de autoria do Deputado Hugo Legal (PSD/RJ). O projeto pretende ajudar a prevenir a crise com a alteração transitória do regime jurídico da recuperação extrajudicial e com a suspensão transitória de alguns dispositivos da recuperação extrajudicial, da recuperação judicial e da própria falência.
O projeto de lei emergencial terá vigência temporária e deverá estar em vigor até 30 de dezembro de 2020. O legislador traz inovação ao incluir como destinatário da norma o agente econômico, inclusive a pessoa física, e não somente a sociedade empresária. Inova ao instituir legitimidade ao agente econômico, pessoa física ou jurídica independentemente de inscrição ou da natureza empresária de sua atividade, bastando apenas que exerça ou tenha por objeto o exercício de atividade econômica. O marco jurídico de diferenciação da atual norma (Lei nº 11.111/2005) é quanto ao conceito de exercício de atividade econômica e não mais de atividade empresarial.
A futura norma idealiza um sistema de prevenção. Inicialmente institui a suspensão (primeiros 60 dias) temporária de ações de execução e de revisionais de contratos, que tratem de dívidas vencidas depois do dia 20.03.2020. Nesta primeira fase (suspensão dos primeiros 60 dias a contar da vigência da lei) será vedado a excussão de garantias, a decretação de falência, o despejo por falta de pagamento ou outro elemento econômico do contrato, a resolução unilateral de contratos bilaterais e a cobrança de multas de qualquer natureza. Em um critério de justa ponderação, o legislador afastou a legitimidade de devedores que firmaram ou repactuaram seus contratos após o dia 20.03.2020.
Após o transcurso destes primeiros 60 dias, caso exista interesse do agente econômico em crise, poderá ser formulado um pedido de negociação preventiva em que será concedido automaticamente novos 60 dias para negociação, prazo este contado a partir da distribuição do pedido. Agora, tem-se uma segunda fase de negociação que será arregimentada pelo poder judiciário e poderá ser mediada por um negociador nomeado pelo juiz competente.
O foco do legislador foi instituir um conceito de negociação. A pretensão é criar estímulo ao acordo extrajudicial. Criar um desestímulo para o devedor ir em juízo e com isso evitar um congestionamento do poder judiciário. A intenção é que exista a resolução de partes de problemas advindos da crise sem a necessidade de interferência do judiciário.
O primeiro prazo de suspensão de 60 dias tem a finalidade de estimular a negociação direta entre devedores e credores. O legislador pretende criar ambiente propício à negociação, ou seja, pretende-se suspender meios judiciais individuais coercitivos com o intuído de privilegiar uma solução de mercado. Criar cenários em que o próprio mercado possa encontrar meios de superação da crise.
Existe um receio pela corrida desenfreada para distribuição de recuperação judicial. A expectativa do legislador é que com o primeiro prazo de 60 dias já se terá uma diminuição significativa do procedimento de negociação preventiva e por consequência, já se teria um filtro das intenções de recuperação judicial. As duas hipóteses de suspensão de 60 dias é a tentativa de estimular procedimentos que diminuam a quantidade de distribuição imediata de recuperação judicial. O soerguimento da empresa por meio da recuperação judicial ficaria para aqueles casos mais complexos em que a negociação não aconteceu em um primeiro ou em um segundo momento.
O projeto de lei emergencial é uma medida de exceção com a intenção de criar instrumentos novos de solucionamento, mas que não foram testados e que por isso não se tem certeza de que darão certo. Os eventuais erros devem ter sido minorados tendo em vista que o projeto de lei emergencial foi concebido com a contribuição técnica de profissionais com vivência na área de insolvência no Brasil e utilizando conceitos já praticados pela Diretiva Europeia e pelo sistema francês de prevenção e antecipação da crise.
Mas, algumas intenções do legislador têm sofrido críticas. Alguns acreditam que estes prazos de suspensões não evitarão o congestionamento do judiciário, justamente porque existe uma nova previsão de intervenção do Poder Judiciário no próprio projeto de lei através da negociação preventiva. Os críticos alegam que o devedor irá ao judiciário por estímulo da lei emergencial, mesmo que seja para a tramitação de um procedimento simplificado como será a negociação preventiva.
Outros têm a preocupação de que as suspensões possam ser usadas como meio procrastinatório do procedimento de insolvência para agravar, assim, o tempo médio para deferimento do plano de recuperação judicial. A PUC-SP e a Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) apontam que este tempo médio é de 517 dias, ou seja, normalmente já é muito maior do que o prazo de 180 dias previsto na Lei nº 11.111/2005. Esta crítica é rebatida com o argumento de que existe uma “penalidade” no projeto de lei que determina que o prazo da negociação preventiva será abatido do prazo do stay period na eventual recuperação judicial. Os críticos contra-argumentam sustentando que o Poder Judiciário já havia flexibilizado o prazo do stay period e que não seria difícil de acontecer uma flexibilidade com os novos prazos criados pelo projeto de lei.
Outra crítica veemente é quanto à possibilidade de apresentação de um novo plano de recuperação judicial incluindo todas as dívidas contraídas após a distribuição da recuperação judicial. O projeto de lei não excepcionou os empréstimos (DIP Financing) concedidos no curso da recuperação judicial e não excepcionou os créditos daqueles fornecedores que continuaram a disponibilizar os insumos necessários para o desenvolvimento da atividade da empresa recuperanda. Isso deve provocar um grande desestímulo financeiro-econômico naqueles poucos que investiam nas empresas recuperandas. Isso deve prejudicar a retomada da liquidez da empresa recuperanda e prejudicar substancialmente o seu reerguimento, pois haverá um afugentamento de crédito novo.
Ao contrário disso, o projeto de lei deveria tratar de mecanismos de estímulos aos empréstimos financeiros e trazer mecanismos de segurança aos interesses dos stakeholders dispostos a colaborar com a empresa em crise. Mas, precisamos ser justos com o projeto de lei e não esquecermos que o problema de liquidez foi pensado pelo legislador quando optou em flexibilizar as travas bancárias com o permissivo de disponibilizar o valor de 50% dos recebíveis da recuperanda e quando previu a possibilidade de entrada de dinheiro novo no período de negociação preventiva sem necessidade de autorização do juiz. Mas, essas duas medidas não serão suficientes para restabelecimento da liquidez no mercado. O dinheiro novo é essencial para que a cadeia de produção não seja estrangulada pela ausência de faturamento temporário e para que se possa pensar em geração de novas receitas. O dinheiro novo será fundamental na prevenção da crise e no restabelecimento financeiro dos agentes econômicos e precisa ser um ponto de maior atenção do legislador que trata da matéria insolvência no Brasil. Tentar instituir meios seguros e economicamente viáveis ao investidor e ao colaborador da empresa em crise na legislação de insolvência é importante, pois o sistema bancário posto no Brasil não atende à demanda do agente econômico em crise. Os critérios de acesso ao crédito bancário são incompatíveis com a situação fática daqueles agentes econômicos que estão em crise.
Mesmo para aqueles que não acreditam na eficácia do projeto de lei, o fato é que será, bem provável, este o instrumento que teremos para tratar os problemas financeiros e econômicos pelos próximos meses. Muitos estão esperançosos que este projeto emergencial possa introduzir novos conceitos ao projeto de lei nº 6.229/2005 para internalizar medidas preventivas já adotadas no cenário internacional.
Max Magno Ferreira Mendes
Sócio do Escritório Ferreira Mendes Advogados. Mestrando em Direito Comercial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Curso de Extensão em Recuperação Judicial (COGEAE - PUC/SP). MBA em Gestão Empresarial pela FGV/RJ, em curso. Especialista em Direito Agroambiental pela Escola do Ministério Público/MT. Graduado em Direito pela Universidade de Cuiabá/MT. Advogado.
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