Comprar criptomoedas é crime?
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou um caso envolvendo o conceito de criptomoeda e a evasão fiscal. O tema será tratado neste artigo por ser matéria nova e que suscita discussões na comunidade jurídica.
O dicionário Michaelis online, define o termo moeda como sendo:
“...Peça metálica, geralmente circular, cunhada por instituição do governo, usada nessas transações.” - https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/bus...
A definição acima, indica que somente será moeda, então, aquele bem reconhecido pela instituição governamental, ou seja, a que o Estado dá uma importância econômica, um lastro de proteção estatal.
E o que é, então, as chamadas criptomoedas – moedas digitais?
São novas formas de circulação de trocas existentes no mundo online, ou seja, documentos livres, descentralizadas, não submissas a um poder central, sem serem emitidas por um Estado e que, atualmente, são utilizadas para realização de compras, vendas e aquisições perante o sistema eletrônico em que os envolvidos nessas transações dão a ela a veracidade e se comprometem a reconhecer seu valor e efetuar as transações ali descritas.
Ou seja, não são, então, reconhecidas por países como documentos com poder monetário e não possuem o necessário respaldo econômico estatal, mas, efetivamente, de forma nova, geram efeitos para os envolvidos.
O Brasil não as reconhece como moedas seja pelo Banco Central (BACEN) ou pelo Comissão de Valores Mobiliário (CVM), conforme o Superior Tribunal de Justiça afirmou no julgado (CC n. 161.123/SP, DJe 5/12/2018) e o BACEN no Comunicado n° 31.379 de 16_11_2017.htm.
Uma pessoa poderia ter um milhão de bitcoins não declarados à Receita Federal e os transferir livremente - e existem ainda mais milionários nesse setor – e, mesmo assim, não estaria a cometer ilícitos penais de evasão de divisas já que se o Estado não reconhece a existência dessa moeda, a figura penal não pode ser aplicada já que a Lei 7492/86, parágrafo único, fala de saída de moedas ou divisas não declaradas.
Tal se deve ao chamado princípio da legalidade penal que afirma que crime é aquele previsto em lei. Ora, se a BITCOIN não é reconhecida como moeda legal, a sua movimentação e posse não declarada, não se amoldaria a tipicidade penal prevista - Artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal e o Artigo 1º do Código Penal.
Entretanto, caso se utilize dessas criptomoedas para buscar a confecção de contratos coletivos de investimento, haveria a possibilidade de estar configurado valor mobiliário previsto na Lei 6.385/76, submetendo os fatos às disposições da Lei dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei 7.492/1986) que em seu caput prevê: “ Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País”, com pena mínima de dois anos.
Aqui não se reconhece as criptomoedas, mas, sim, a operação de câmbio não autorizada que leva a saída de divisas do território nacional - ( STJ, CC-161123, Rel. Sebastião Reis Junior, 3ª Seção, DJE 05/12/2018) e Comunicado Bacen n° 31.379, de 16 de novembro de 2017.
Em um mesmo julgado, o STJ, então, fixou a validade das criptomoedas e quando elas podem levar a configuração de delito.
Em 07 de abril de 2020, o Superior Tribunal de Justiça, novamente, se manifestou sobre o tema ao julgar o Habeas Corpus N. 530563/RS, vide informativo nº 0667, afirmando que compete à Justiça Federal julgar crimes relacionados à oferta pública de contrato de investimento coletivo em criptomoedas, conforme ementa:
“No julgamento do CC 161.123/SP, a Terceira Seção desta Corte decidiu que a operação envolvendo compra ou venda de criptomoedas não encontra regulação no ordenamento jurídico pátrio, pois as moedas virtuais não são tidas pelo Banco Central do Brasil (BCB) como moeda, nem são consideradas como valor mobiliário pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), não caracterizando sua negociação, por si só, os crimes tipificados nos arts. 7º, II, e 11, ambos da Lei n. 7.492/1986, nem mesmo o delito previsto no art. 27-E da Lei n. 6.385/1976.
Cumpre destacar que, naquele caso, não havia denúncia formalizada e a competência da Justiça estadual foi declarada exclusivamente considerando os indícios colhidos até a deflagração do incidente, bem como o dissenso verificado entre os Juízes envolvidos, sendo que nenhum deles, naquele incidente, cogitou que o contrato celebrado entre o investigado e as vítimas consubstanciaria um contrato de investimento coletivo.
O caso, no entanto, ostenta contornos distintos, pois já há denúncia ofertada, na qual foi descrita e devidamente delineada a conduta do paciente e dos demais corréus no sentido de oferecer contrato de investimento coletivo, sem prévio registro de emissão na autoridade competente.
Considerando que a denúncia imputa a efetiva oferta pública de contrato de investimento coletivo, não há dúvida de que incidem as disposições contidas na Lei n. 7.492/1986, notadamente porque tal espécie de contrato consubstancia valor mobiliário, nos termos do art. 2º, IX, da Lei n. 6.385/1976.
Assim, considerando os fatos narrados na denúncia, especificamente os crimes tipificados nos arts. 4º, 5º, 7º, II, e 16, todos da Lei n. 7.492/1986, é competente o Juízo Federal para processar a ação penal (art. 26 da Lei n. 7.492/1986), inclusive no que se refere às infrações conexas, por força do entendimento firmado no Enunciado Sumular n. 122/STJ.”
Existem mercados virtuais que usam essas moedas para fins de compra de bens materiais (imóveis, ações, etc...), ou seja, ao mesmo tempo que não se reconhece a sua existência como “moedas” ainda assim as mesmas estão a gerar efeitos concretos no mundo real.
Existem as moedas eletrônicas que devem ser vistas à luz do comunicado n. 31. 379, emitido pelo Banco Central, em 16 de novembro de 2017.
A denominada moeda virtual não se confunde com a definição de moeda eletrônica de que trata a Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013, e sua regulamentação por meio de atos normativos editados pelo Banco Central do Brasil, conforme diretrizes do Conselho Monetário Nacional. Nos termos da definição constante nesse arcabouço regulatório consideram-se moeda eletrônica “os recursos em reais armazenados em dispositivo ou sistema eletrônico que permitem ao usuário final efetuar transação de pagamento”. Moeda eletrônica, portanto, é um modo de expressão de créditos denominados em reais. Por sua vez, as chamadas moedas virtuais não são referenciadas em reais ou em outras moedas estabelecidas por governos soberanos. (BANCO CENTRAL, 2017).
O que vem ocorrendo na realidade é que diversas pessoas jurídicas e/ou naturais estão manifestando interesse na compra desses ativos e com estes realizando transações comerciais, incluindo a compra e venda de imóveis. Ressalta-se que mesmo com a presença frequente das moedas criptografadas no mundo financeiro, essas podem representar uma insegurança iminente.
O mundo virtual é uma novidade aos operadores de direito, sendo que nele existem diversas novas formas de interação humana que vão muito além dos territórios nacionais, sendo que é necessário, sim, a ideal regulamentação das condutas ilícitas que devem ser apuradas e fixadas para assegurar a chamada paz social, evitando condutas desagregadoras e estimulando o uso correto dessa nova fronteira que está ainda se iniciando aos nossos olhos.
Carla Helena Grings Sabo Mendes - Advogada, sócia proprietária do Escritório Grings Advocacia e Administradora Judicial. Especialista em Direito Agroambiental pela UFMT e mestranda em Ciências Jurídicas pelas Universidade Autônoma de Lisboa. E-mail carla.grings@gringsadvocacia.com.br
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