A despeito das evidências, o presidente continua obcecado pelo medicamento
A cloroquina já não é mais um assunto restrito aos médicos ou a área de saúde. Desde que o Trump e o Bolsonaro a retiraram de sua condição de remédio contra malária e artrite reumatoide e a transformaram na panaceia que acabaria com a pandemia de covid-19 tornou-se matéria de interesse de todos.
Os estudos ainda não conseguiram comprovar a eficiência da cloroquina no combate ao vírus responsável pela atual pandemia. Ao contrário de fazer bem, todos os relatos mostram que a administração do remédio traz sérios riscos à saúde, principalmente severas complicações cardiológicas.
A despeito disso o presidente continua obcecado pela ideia de vencer a Covid-19 com o uso deste controvertido medicamento em mais uma demonstração de seu interesse em priorizar opiniões sem fundamentos.
Os estudos ainda não conseguiram comprovar a eficiência da cloroquina no combate ao vírus responsável pela atual pandemia
Fica a impressão de que ele, por não dominar assuntos complexos, se apega a essas coisas simplórias de fácil assimilação pelo povo para manter-se em evidência, usando o que ele mais gosta que é o confronto.
Agora, após a recusa de dois ministros da saúde – médicos que priorizaram a ciência – em recomendar a cloroquina para todas as fases da doença, ele determina ao general que ocupa o posto interinamente que assine o protocolo de autorização do uso.
Se não fossem suficientes tais riscos o ministro interino Coronel Pazuello, competente militar, mas leigo em saúde, está enchendo o ministério de militares, em prejuízo do pessoal tradicional que entende do assunto.
Convém lembrar que o Presidente costuma entrar em barcas furadas, tanto que vive citando a Suécia como exemplo de país que não adotou a quarentena e se deu bem. Só que essa vantagem aconteceu no primeiro momento, agora ela (a Suécia) mostra a maior taxa per capita de mortalidade pelo coronavírus. Ao mesmo tempo a economia caiu quase no mesmo nível de sua vizinha Dinamarca, que adotou o isolamento social como os demais países da Europa e do mundo.
Aqui no Brasil ele insiste em condenar o distanciamento social, criando conflito na população que não sabe se acredita nele ou nos governadores e prefeitos. O índice de mortes mostra claramente que algumas cidades ou até estados estão à beira da catástrofe pública e já não há UTIs para atender os que precisam delas. No momento que escrevo no Rio de Janeira mais de 400 pessoas aguardam leitos hospitalares, destes 250 esperam UTI.
O Presidente Bolsonaro está na conta mão do mundo. Mesmo com os eloquentes exemplos de sucesso de quem fez isolamento a tempo – Portugal é um caso – ele insiste em manter somente os vulneráveis em confinamento, liberando todos os outros, como fosse possível manter os velhos longe dos demais na periferia pobre, onde a maioria das casas não tem nem um cômodo por pessoa.
Negar a gravidade da pandemia como o Presidente vinha fazendo não cola mais; eleger um remédio que a ciência condena já está ficando ridículo. Mas é bom não subestimar a capacidade do Bolsonaro de criar confusões: o futuro ministro da saúde pode ser a cloroquinista Nise Yamaguchi ou o inconsequente Osmar Terra, adepto da liberação geral.
RENATO DE PAIVA PEREIRA é empresário e escritor
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