A revisão dos contratos de franquia em tempos de pandemia
O texto do art. 421 do Código Civil, alterado pela Lei 13.874 de 2019, tem como intuito reduzir a intervenção estatal nas relações contratuais em prol de uma maior liberdade de negociação, favorecendo o negociado com principal fonte de direito dos contratantes - pacta sunt servanda, enfatizando a força vinculativa dos contratos. Se por um lado o impacto positivo que o novo texto repercute na economia nacional ante o maior privilégio da liberdade de contratação, garantindo maior segurança contratual e jurídica, por outro, o quão as partes realmente estão aptas à formularem suas cláusulas contratuais com clareza e discernimento quanto aos efeitos jurídicos? Neste contexto, os contratos empresariais do modelo de negócio, merece destaque.
Existe forte tendência comportamental entre os negociantes de pactuarem cláusulas que efetivamente não são inseridas no contrato formal, sobretudo, durante a execução do contrato, como ressalva Forgioni:“vários estudos econômicos, comprovado que a maioria dos negócios empresariais é realizada ‘informalmente’ (…)”, assim, "as partes não reduzem seus acordos por escrito; sua vinculação dá-se pelo seu comportamento, ‘naturalmente' e sem maiores formalidades”. Portanto, o comportamento pós contratação tem papel definitivo na no sucesso ou não do negócio quanto o alcance das reias expectativas contratuais. Em outra análise, a vontade relativizada nos contratos. Assim, a partir da “maneira"com que o contrato é efetivado pelas partes, uma delas pode sentir-se em desvantagem, podendo atribuir onerosidade excessiva a justificar a cláusula rebus sic standibus. Contudo, com a predominância do contrato como fonte obrigacional principal, o ônus que recai sobre a parte que alega a objeção ao cumprimento do contrato com base no art. 478 e seguintes do Código Civil, ou seja, com base em onerosidade excessiva e acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, passa a ser ainda maior, em razão da presunção legal de que o contrato resulta da deliberação livre, espontânea e desejada das partes, ainda que haja submissão contratual..
Em tempos de pandemia mundial, haverá sem dúvidas, várias demandas avocando a resolução ou revisão contratual para justificar o não cumprimento contratual, mas deve-se ter em mente que a extraordinaridade e a imprevisibilidade apta a causa onerosidade excessiva ou impossibilidade de cumprimento contratual, possui um marco temporal, ou seja, o início das medidas governamentais que possam ter afetado diretamente a conclusão do contrato como ajustado inicialmente, posto que estando o país e o mundo em situação pandêmica, a situação instaurada, deixa o campo do extraordinário e passa ao campo do ordinário, ainda que com perspectivas (não se sabe exatamente) de fim. Orlando Gomes alertara que “quando acontecimentos extraordinários determinam radical alteração no estado de fato contemporâneo à celebração do contrato (…) o vínculo contratual pode ser resolvido ou, a requerimento do prejudicado, o juiz altera o conteúdo do contrato (…).” Neste ponto é de salutar importância o destaque a partir da premissa de que o estado de pandemia altera a circunstância contratual para ambos os contratantes, não se podendo atribuir apenas a uma das partes, o prejuízo pela situação extraordinária. Contudo, juridicamente plausível e adequado que as partes revejam as cláusulas a partir da nova realidade apurada. Entretanto, a onerosidade excessiva não pode ser alegada como uma espécie de presunção irrefutável à condição econômica negativa causada pela pandemia, pois aos negócios que envolvam itens essenciais, como alimentos, remédios e ligados a saúde, por exemplo, muito pouco provável que tenham sentido impacto negativo. Outros negócios podem ter sido adaptados ao modelo on line ou já operavam nessa dinâmica, como o ensino EAD, de modo que a alegação de onerosidade excessiva utilizada como óbice ao ajuste contratual realizado antes do COVID-19, dificilmente será suficiente para levar a efeito a resolução contratual, ou mesmo, nova tratativa. Em se tratando de negócios que não dependam de estabelecimentos físicos como lojas, mais se atribui ao franqueado a prova substancial do prejuízo causado pela onerosidade excessiva em virtude da pandemia, do que do franqueador, em provar que o negócio é possível prosseguir sem alterações.
A submissão contratual, por sua vez, pode ser fator de revisão e até resolução, independente de fatos extraordinários e que deixam de assim ser, como a pandemia pelo Covid-19, já a submissão contratual ampara a possibilidade de revisão contratual por onerosidade excessiva, com muito mais força jurídica do que a pandemia, se o sujeito que pretende a revisão, consiga comprovar que durante a execução do contrato, as atitudes da parte fornecedora, excedem a expectativa de prejuízo e reduz as chances de ganho daquele que se sujeita. Esta submissão pode ocorrer porque uma das partes tem o controle do produto, forma de produção e/ou comercialização, e isso por si só potencializada as chances de em uma situação de fragilidade econômica, haver por parte da fornecedora, assim chamada a parte que submete, uma exigência de escoamento e distribuição de seus produtos, os quais o distribuidor não consiga suportar. Diante deste aspecto, algumas cláusulas dentre as quais estão: - exclusividade de distribuição; - exclusividade de zona ou territorialidade e quota de fornecimento e aquisição, podem potencializar esta submissão. Muitas das vezes o franqueado não consegue distribuir o produto na frequência com que precisa adquirir a quota do fornecedor (franqueador), gerando uma onerosidade excessiva passível de ser debatida em juízo, cuja situação de pandemia potencializa em grande medida, ante as peculiaridades de cada região do país, o que por si só, pode gerar um desequilíbrio contratual por onerosidade excessiva, cujo fundamento jurídico legal, seguramente tem maior chance de sustentar uma renegociação contratual ou mesmo uma rescisão, sem pautar-se exclusivamente na situação de pandemia. O excesso de demandas que pode advir da pandemia perante a Justiça, com base em critérios como força maior ou situação imprevisível, tende a causar uma maior resistência do Judiciário em aceitar estes argumentos, tornando a análise de revisão contratual ou de rescisão, ainda mais exigente, a demandar maior esforço dos operadores do Direito que baterem às portas da Justiça sob o pretexto da pandemia.
Dra. Lisiane Schmidel, é advogada sócia da Schmidel e Associados Advocacia (MT). Especialista em Direito Empresarial e do Consumidor e em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Mestranda em Direito pela FADISP. e-mail: lisiane.adv@schmideleassociados
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