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Opinião
Domingo - 02 de Agosto de 2020 às 07:17
Por: Luiz Henrique Lima

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Não há pior forma de enfrentar uma situação de emergência do que negar a sua própria existência. Quem não sabia disso, está aprendendo com a pandemia da Covid-19, a um susto altíssimo de vidas.

No mundo inteiro, os países que estão alcançando os piores resultados, tanto em número de vítimas como em devastação econômica, são aqueles governados por líderes negacionistas, que minimizaram a gravidade da crise, ironizaram e desacreditaram as recomendações de cautela, confundiram a opinião pública e desorganizaram os ministérios e órgãos responsáveis pelas políticas de saúde. Nesses países, muitos milhares de famílias choram novas mortes todas as semanas, enquanto os seus dirigentes exibem-se em jet-skis, motocicletas ou cavalos, sem um gesto de empatia, uma palavra de compaixão ou uma demonstração de solidariedade.

No mundo inteiro, os países que estão alcançando os piores resultados, tanto em número de vítimas como em devastação econômica, são aqueles governados por líderes negacionistas, que minimizaram a gravidade da crise

Dos escombros dessa tragédia, nascerá o futuro, ainda repleto de incertezas, mas certamente bastante diferente do mundo que conhecíamos pré-Covid-19.

Nesse futuro de contornos imprecisos, uma presença é certa, embora não desejada: a emergência climática. Seus sinais são evidentes, cada vez mais frequentes e mais intensos. No entanto, a esse respeito também, há negacionistas, não muitos, mas muito bem ancorados no poder político e econômico.

Há exatos vinte anos apresentei minha dissertação de mestrado no Programa de Planejamento Energético da Coordenação de Pós-Graduação em Engenharia – COPPE, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, com o título Controle do Patrimônio Ambiental Brasileiro. Mais tarde, a obra gerou um livro com o mesmo nome, publicado pela editora da Universidade do Estado do RJ, hoje disponível apenas em versão digital.

Relendo aquele estudo, observo que, ao discutir a complexa interação entre Ecologia e Economia – ambas palavras derivadas do grego Óikos, que significa casa – sublinhei os efeitos danosos, tanto para o meio ambiente como para a atividade econômica, dos “efeitos dramáticos da alteração do clima terrestre, tais como, degelo da calota polar, liberando gigantescos icebergs, inundações, secas, mudança no regime dos ventos, entre outros”.

Em trabalhos posteriores, de cuja realização participei no Tribunal de Contas da União, foram identificados gravíssimos impactos potenciais para o Brasil resultantes das mudanças climáticas globais, tanto nas zonas costeiras e no setor agropecuário, como na segurança hídrica do Semiárido e na Amazônia Legal (Acórdãos TCU 2293, 2354, 2462 e 2513/2009).

Em outro trecho daquele livro, sublinhei que, embora a Constituição de 1988 conceitue o meio ambiente saudável como um direito fundamental da pessoa humana e sua preservação como um dos princípios da atividade econômica, e malgrado a abundante legislação ambiental vigente, a simples norma jurídica não tem sido obstáculo ao secular processo de degradação ambiental em nosso país. Com tristeza, constato que essa afirmativa continua válida duas décadas depois.

Com preocupação, verifico que o Brasil tem tratado a emergência ambiental com despreparo, truculência e incompetência bem maiores até que as observadas na emergência de saúde pública, ignorando os alertas de cientistas, as propostas da sociedade, os direitos dos vulneráveis e as normas de proteção e gestão ambientais. A vergonhosa artimanha de “passar a boiada enquanto ninguém está olhando” não irá vitimar apenas a nossa rica biodiversidade e nossos preciosos ecossistemas, mas também nocauteará a nossa economia, especialmente nos setores mais dinâmicos do agronegócio, cujas exportações têm sustentado a balança comercial e os indicadores macroeconômicos brasileiros. Somente ineptos muito primitivos imaginam que “ninguém está olhando” e que a “passagem da boiada” não cobrará um alto preço no futuro próximo.

Com franqueza, desejo que dentro de vinte anos não seja necessário retornar ao assunto para lamentar uma tragédia ainda maior que a atual. Para tanto, é fundamental que o Brasil reconheça a emergência climática que iremos enfrentar nos próximos anos e mobilize o melhor de nossa inteligência e capacidade para que a necessária recuperação econômica da presente crise não nos conduza a um abismo mais profundo.

LUIZ HENRIQUE LIMA é conselheiro substituto do TCE



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