Atalho para a vacina Nome escolhido para o imunizante - Sputnik V - mostra seu caráter político
O desenvolvimento de vacinas e medicamentos exige o cumprimento de uma série de regras aceitas pela comunidade científica mundial. Mas esses protocolos não devem ser considerados sagrados e muitas vezes precisam ser quebrados, mesmo correndo riscos por essa desobediência.
A Rússia, quebrando regras, acaba de divulgar o registro de sua vacina contra a covid-19 chamada de Sputnik V, em referência ao satélite lançado por ela em 1957 quando ganhou a dianteira na exploração espacial.
O nome escolhido mostra o caráter político do ato: referindo-se ao lançamento da nave espacial ela relembra o feito histórico e reforça sua posição mundial, agora como pioneira da vacina, para a qual a comunidade científica mundial torce o nariz.
Mas que importa à humanidade o nome do país ou a motivação política por trás da vacina que pode mudar o rumo da pandemia? Essa briga pelo aplauso mundial é um problema de países e de seus governantes que buscam faturar politicamente em cima da descoberta. Ao povo não deve incomodar se a vacina é chinesa, americana, russa ou britânica; se é cristã ou islâmica; comunista ou capitalista. Interessa simplesmente que ela interrompa o contágio e consequente morte dos infectados.
Os protocolos exigem que as vacinas passem por três fases clínicas - aplicação em humanos - cada uma delas ampliando o número de voluntários. Algumas vezes são injetadas em mais de 50 mil pessoas antes de serem submetidas à aprovação oficial.
Esse rigor pode ser muito útil em situações normais quando não há urgência. Não é o caso atual. Pessoas estão morrendo aos milhares todos os dias por falta de um remédio que cure a doença ou de uma vacina que impeça o contágio.
Meu palpite é que a Rússia agiu bem ao romper o protocolo e disponibilizar seu imunizante. Se ela vai faturar politicamente em cima desse feito ótimo pra ela; se também por isso sair primeiro da crise financeira que a epidemia provocou no mundo, parabéns.
O protocolo dos imunizantes mede duas coisas principais: a segurança e a eficácia. Ora, se as vacinas que estão em testes já foram aplicadas em milhares de pessoas em fases anteriores por certo são seguras, porque de outro modo, certamente teriam sido descontinuadas.
O segundo ponto - a eficácia – parece mais um problema econômico que de saúde. Se o antivírus não se provar eficiente, quem antecipou o uso somente gastou mal o dinheiro público.
Mesmo não tendo cumprido todas as normas previstas seis vacinas têm fortes indícios de segurança, pois foram aplicadas em milhares de pessoas sem apresentar problemas importantes; também de eficiência diante da grande quantidade de anticorpos produzidos.
É bom notar que autoridades russas vacinaram-se e que o Putin permitiu que a filha recebesse o fármaco. Algum pai exporia a própria filha a algum medicamento em que não confiasse?
Atalhos encurtam caminhos, mas oferecem riscos. Alguns são gerenciáveis, outros fatais. Os gestores capazes e sensatos sabem separar uns dos outros.
Este articulista, entretanto, não desmerece o trabalho dos que defendem a manutenção incondicional dos protocolos.
Renato de Paiva Pereira é empresário e escritor
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