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Opinião
Quarta - 26 de Agosto de 2020 às 06:00
Por: José Antonio Lemos dos Santos

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Escrevo Caecae tal qual grafou Joaquim Ferreira Moutinho testemunha da tragédia da varíola de 1868 em Cuiabá, e que mesmo sofrendo-a na própria família teve força suficiente para descrevê-la depois em livro.

Em trechos de sua descrição comentou: “O anjo da morte continuava incansável a sua obra de destruição. A polícia mandou arrombar as portas de muitas casas para proceder-se ao enterramento de famílias inteiras que eram encontradas já em estado de putrefacção. O número dos mortos, crescendo extraordinariamente, montou a mais de duzentos por dia. A atmosfera da cidade estava viciada de um fétido nauseabundo que a viração do campo não conseguia dissipar, porque vinha também carregada de miasmas que exalavam de centenas de corpos que lá se achavam espalhados.(...) O chefe de polícia já neste tempo havia dado ordens para que sepultassem os corpos no celebre carrascal do Caecae, onde se reproduziam as cenas de horror começadas na cidade. (...) Hoje (quando escreveu) está esse lugar murado e ornado de uma capelinha sob a invocação de Nossa Senhora do Carmo; mas raríssimas são as pessoas que sabem em que parte desse cemitério descansam os restos mortais de suas famílias.”

Pior, em pleno Século XXI, poucos sabem do antigo cemitério ou da própria Guerra do Paraguai, de tanto sofrimento a brasileiros e paraguaios, e, em especial, aos cuiabanos.

Dedicada à mesma padroeira, a humilde capelinha foi ampliada, reconstruída em alvenaria e hoje encontra-se novamente em reconstrução por ter desabado em função de uma construção vizinha. Localizado em importante interseção viária da cidade onde está em construção uma nova rotatória, o campo santo foi em parte transformado em uma movimentada avenida e o restante virou praça.

Evidente que há muito tempo Cuiabá deve um tratamento especial a esse lugar histórico e sagrado, onde repousam cerca de 6 mil militares e civis, vítimas diretas ou indiretas da Guerra do Paraguai. Um lugar que sempre clamou por um marco a lembrar aqueles tempos de dor e bravura de ambos os lados da contenda, um monumento à Paz e não à guerra, dedicado a todos estes heróis. E ao longo do tempo algumas tentativas foram feitas.

O antigo débito histórico teve boa chance com a Copa do Pantanal e a promessa de tantas obras para a cidade, ainda mais com a coincidência da abertura do grande evento no dia 13 de junho, data em que se lembra a Retomada de Corumbá pelas tropas cuiabanas que compunham o Exército Brasileiro naquele episódio em que os soldados foram contaminados com o vírus da varíola trazendo-o para Cuiabá, origem da dramática história do Caecae. Revigorava então a proposta de um monumento à Paz, a ser inaugurado no mesmo dia da abertura da Copa, marcando a simbólica data. Mas a proposta não avançou.

Contudo, as ideias importantes têm vida própria e buscam sua concretização por diversos caminhos e em fins de 2018 foi levada pelo prestígio do Rotary Club ao prefeito Emanuel Pinheiro que a aprovou.

Em tempos de reclusão pandêmica, numa de minhas raras saídas para tomar um vento, passei pelo Caecae e pude ver as obras do monumento aos heróis da Guerra do Paraguai que ali jazem ou não, irmãos e hermanos, na verdade todos vítimas de uma mesma tragédia continental a ser lembrada para jamais ser repetida.

E por um desses caprichos que a história apronta, é interessante que por razões diferentes toda aquela região passará por uma repaginação urbanística com o monumento, a praça reformada, a Igrejinha de Nossa Senhora do Carmo reconstruída, um novo edifício residencial vizinho e a rótula na interseção da Avenida 8 de abril com a Thogo Pereira e Ramiro de Noronha. É a cidade viva se transformando, agora com algum respeito ao passado.

José Antonio Lemos dos Santos é arquiteto e urbanista.



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