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Opinião
Domingo - 20 de Setembro de 2020 às 08:22
Por: Gonçalo Antunes de Barros Neto

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A morte, que andava esquecida diante dos encantos e afazeres da vida, reaproximou, veio para o centro das atenções com a pandemia viral. Sim, a morte, nada mais nada menos que o encerramento de algo, capitulado frente à certeza.

Vejam, não foi o nascimento do Nazareno que nos levou às mais profundas reflexões existenciais, mas o que fizemos com Ele: morte como castigo e ressurreição como glória. Todos levados para ‘ver e crer’.

Como a morte nos aponta o dedo em riste! Sensação de impotência frente ao absoluto. Com ela se exerce a mais eficaz tirania, a sua lembrança nos assombra. Alguém já dizia que se é comunista até ter dinheiro, anarquista até se chegar ao poder e ateu até o instante derradeiro. Nada mais interessante que a carapuça de alguns, nada mais realista e cruento, ao menos para boa parte da religiosidade e ideologia.

A certeza com que se reveste a morte, a espetacularização de sua incidência, deixa o moribundo mais vulnerável. Pior; revolta ‘o espetáculo de um ser humano impondo à nossa atenção suas cicatrizes e suas úlceras morais, e arrancando aquele pudico véu com que o tempo ou a indulgência para com a fragilidade humana tinham consentido em revesti-la’ (Baudelaire – Paraísos Artificiais).

A morte, que andava esquecida diante dos encantos e afazeres da vida, reaproximou, veio para o centro das atenções

Sem adentrarmos no tema da vida após a morte ou mesmo se o que morre é apenas o corpo e não o espírito (alma), o certo é que se nasce para morrer, num pragmático jogo sem razão aparente, e também sem alívio reconfortante.

O que alivia são as várias interpretações existentes sobre as palavras do Mestre, dogmatizadas pelas religiões, o que levou Marx a resumi-las como o ópio do povo. Parece sintomático, consumidas para criar resignação e felicidade, invés de luta e resistência. Afinal, não são felizes os que sofrem posto ser deles o reino do céu?

A enfermeira Bronnie Ware, segundo o jornal britânico “The Guardian”, ao ouvir pessoas antes do fatídico encontro com a morte, concluiu que o mais comum é que gostariam de ter tido a coragem de viver a vida que quisessem e não a vida que os outros esperavam que vivessem.

Amar sempre e viver intensamente, independentemente do politicamente correto, como necessidade da morte suave, sem trauma de consciência. O epicurismo resta confirmado, viver sem amarras ou preconceitos.

Com o avanço das redes sociais, parecem aumentar a preocupação com o julgamento dos outros. E isso, indubitavelmente, é o maior obstáculo à espontaneidade. A possibilidade de escolha entre o fazer ou não reacende a questão do julgamento moral a impedir a liberdade em ser só liberdade. As coisas estão relativizadas aqui, também.

Então, a cada dia, menos dia pra se fazer. E essa lógica traz angústia e desespero. Uma vida a desesperar-se no tempo; um espaço/tempo no tempo, portanto, premido pela invenção dos segundos e horas.

O melhor a fazer é lembrar-se de Marco Aurélio, filósofo e imperador romano, de que ‘a nossa vida é aquilo que os nossos pensamentos fizerem dela’, além da advertência de Shakespeare: ‘Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o que, com frequência, poderíamos ganhar, por simples medo de arriscar’.

Assim, da morte se vive intensamente, como se morto no final de cada dia.

É por aí...

Gonçalo Antunes de Barros Neto é graduado em Filosofia e Direito.



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