Reforma administrativa Você tem um padrinho político? Lá vem mais uma contrarreforma
E lá vem mais uma reforma, na verdade, uma contrarreforma.
A grande reforma aconteceu com a Constituição de 1988, quando muitas necessidades humanas básicas, como saúde, educação, habitação, assistência social, previdência social, entre outras, se transformaram em direitos sociais.
Podemos citar a área da saúde como exemplo. Por ser cidadão brasileiro, em qualquer lugar do Brasil, se qualquer cidadão tiver necessidade, o SUS lhe garante o atendimento. Isso, antes da Constituição de 1988, era ofertado apenas a quem tinha carteira assinada. Quem aqui não se lembra de ter subido a Avenida Getúlio Vargas, de madrugada, em busca de atendimento médico, no antigo INAMPS?
Aqueles que não possuíam carteira assinada, buscavam a caridade por meio das Santas Casas e outras entidades religiosas e assistenciais, o que nem sempre era garantia de conseguir os cuidados necessários.
Além dessas conquistas, uma em especial é essencial para que esses direitos consigam chegar até a população: trata-se da forma como os trabalhadores da administração pública conseguem o emprego e prestam esses serviços essenciais à população. Sabe como? Através de concurso público.
E lá vem mais uma reforma, na verdade, uma contrarreforma
Para se ter uma ideia, até a Constituição de 1988, o concurso público era exigido apenas na primeira investidura, depois, era um festival de “apadrinhamento”.
Para conseguir um emprego no Estado, era aquela história que todos conhecêssemos ou já ouvimos. Entravam em cena os padrinhos: aquele sujeito que era amigo de tal político, ou do coronel, ou do jagunço do coronel, ou da mulher de seu beltrano etc.
Infelizmente, essa prática ainda existe na atualidade, Porém, hoje há instituições fortes e responsáveis em acompanhar diversas ações e também fazer denúncias:
ouvidorias, corregedorias, Defensoria Pública e Ministério Público. Enfim, são órgãos de controle que existem para acompanhar a eficiência do serviço público.
O grande legado da afirmação e adequação do concurso público como única forma de se entrar no serviço público de forma legal (seguindo as leis), impessoal (sem a indicação de ninguém), moral (o interesse público em primeiro lugar) e público é o efeito sobre as políticas públicas.
O serviço público, realizado de forma contínua por um servidor público, que não está à mercê de uma administração que muda de quatro em quatro anos, nem aos interesses de grupos políticos e econômicos, garante para a criança um professor que estará na escola no ano seguinte, a médica e o enfermeiro que continuarão trabalhando no PSF do bairro, estabelecendo laços com a comunidade, o fiscal que poderá aplicar a multa sem ser ameaçado, a assistente social que mediará a garantia de direitos sem o risco de perder o emprego. Tudo isso ocorre porque o trabalhador serve a população e não há um padrinho.
Cabe no futuro um texto sobre as condições de trabalhos dos “apadrinhados”, submetidos a vínculos precários, condições estressantes, assédio, entre outras situações que não ocorreria se tivessem a oportunidade do concurso.
O servidor público responde a inúmeras responsabilidades. O seu CPF e a sua matrícula funcional estão vinculados a qualquer atividade que irá desenvolver. Por isso, alguns chefes que caem de paraquedas nos setores sentem a resistência dos “concursados”, uma vez que qualquer coisa errada, seja intencional ou até por omissão feita pelo servidor público, incorrerá em punição e o servidor poderá ser banido do serviço público.
É claro que há problemas. A questão do mérito nos concursos públicos precisa ser discutida e já há políticas afirmativas para enfrentar a desigualdade de acesso ao serviço público pelas minorias (no sentido da representatividade).
Por isso, a contrarreforma que vem por aí não aliviará o Estado, pois o ele não está pesado e, sim, mal distribuído. No projeto do orçamento para 2021, o governo federal vai pagar 2,236 bilhões de reais para saldar dívida pública, o que representa mais da metade do orçamento.
O Estado serve aos bancos, aos que vivem de renda, ao sistema financeiro e, com certeza, o problema que causa o rombo não vem da remuneração dos servidores públicos. A estabilidade do servidor público é uma garantia para a sociedade.
Você tem padrinho político?
Lucineia Soares é analista econômica e social, Economista, mestra em Política Social e Doutora em Sociologia.
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