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Opinião
Segunda - 28 de Setembro de 2020 às 06:47
Por: Luiz Henrique Lima

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Primavera silenciosa. Esse foi o título de um dos livros de maior impacto no século XX. Foi escrito pela bióloga Rachel Carson, ao observar que a chegada da primavera no hemisfério Norte não vinha acompanhada do canto de pássaros. Sua investigação demonstrou o efeito do uso de pesticidas sobre a vida silvestre e a publicação de sua obra ensejou intensos debates culminando com o banimento do DDT e a criação da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, além de despertar a opinião pública mundial para temas como a conservação ambiental e a biodiversidade.

Na próxima semana iniciaremos a primavera em Mato Grosso, mas a trilha sonora não será o canto dos arancuãs, tuiuiús, colhereiros, araras, curicacas e seriemas. Será o crepitar das labaredas que consomem de forma avassaladora o Pantanal, o Cerrado e a Amazônia. Uma tragédia e um crime.

Na dramaturgia mundial, de Ésquilo e Sófocles a Shakespeare e Goethe, quase todas as grandes tragédias têm, na sua origem ou no seu ápice, um crime. A genialidade desses autores converte o que seria a descrição de um crime comum numa obra épica de alcance universal e atemporal.

Aqui, a fumaça das queimadas não nos permite discernir com precisão onde começa a tragédia e onde termina o crime

Aqui, a fumaça das queimadas não nos permite discernir com precisão onde começa a tragédia e onde termina o crime. O que se pode afirmar é que, mesmo cessando de imediato todo e qualquer ato criminoso, as consequências dessa tragédia nos perseguirão por muito, muito tempo. E não há dúvida da ocorrência de crime.

Um crime contra a vida, a fauna e a flora. Um crime contra o patrimônio ambiental brasileiro. Um crime contra a Terra. Um crime contra as futuras gerações.

Numa de suas obras mais festejadas, Agatha Christie, a mestre do romance policial, apresenta um crime com múltiplos autores, cada qual com suas próprias motivações e circunstâncias. Todos culpados, mas não isoladamente.

Há semelhança com a situação dos incêndios no Pantanal, na Amazônia e no Cerrado.

Na escala microeconômica, há culpa de incendiários locais, interessados em maximizar ganhos no curto prazo de atividades garimpeiras, madeireiras e outras.

Na escala macroeconômica, há culpa dos responsáveis pela emissão de gases do efeito-estufa, causadores das mudanças climáticas e do aquecimento global.

As elevadas temperaturas e a prolongada estiagem produziram o cenário de alto risco de combustão para que a ganância de alguns produzisse tamanho grau de destruição.

Mas há também outros culpados na esfera governamental. São os que vilipendiam os alertas de cientistas, os que postergam as ações de defesa ambiental, os que contingenciam os recursos dos órgãos de proteção ambiental, os que perseguem os agentes ambientais que tentam cumprir o seu dever, os que negam as evidências das mudanças climáticas, os que zombam da morte e minimizam o valor da vida vegetal, animal e humana.

E há culpados entre todos nós. São os que se omitem, os que silenciam, os indiferentes, os que dizem: “Não é comigo! Não me afeta! Não me interessa! Não quero saber!”.

Há, porém, uma notável diferença da presente tragédia com o citado romance de Agatha Christie. Nesse, a vítima era um personagem detestável, ele próprio responsável por múltiplas violências. Não houve quem chorasse a sua perda.

Aqui não. Choramos pela morte dos bichos, das plantas, da natureza. Choramos pelo Pantanal, pela Floresta Amazônica, pelo Cerrado. Choramos pelo Brasil e pela Terra.

Que saibamos, ao menos, aprender algo com essa tragédia.

LUIZ HENRIQUE LIMA é auditor substituto de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MT).



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