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Opinião
Segunda - 09 de Novembro de 2020 às 10:18
Por: Joana Rodrigues Moreira Leite

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Gayatri Chakravorty Spivak (2010), uma teórica indiana e pós-colonial quando escreveu sua obra "Pode o Subalterno Falar?" enfatiza que a mulher não é valorizada como um item respeitoso nas listas de prioridades globais. A autora reflete que a mulher não pode falar e quando tenta expor sua voz não encontra meios para ser ouvida. Esse pensamento de Spivak (2010) nunca fez tanto sentido para exemplificar o julgamento de Mariana Ferrer cuja justiça falou por ela, legitimando a injustiça por não ouvir sua voz.


No Brasil, a luta pelos direitos das mulheres iniciou-se desde 1827 quando autorizaram que as meninas frequentassem a escola. Desde esse período, muitas reivindicações foram levantadas pelos movimentos feministas que tentam desestabilizar o machismo que impera em nossa sociedade. Quando eu falo de FEMINISMO, não queremos dizer que estamos contra os homens, pois o FEMINISMO só reivindica a equidade de direitos e respeito entre homens e mulheres. De outro modo, o MACHISMO consiste em práticas destrutivas marcadas pelo desrespeito e pela violência ao gênero feminino.

Mariana Ferrer passou de vítima à acusada em decorrência de todos os julgamentos referentes ao seu comportamento social que não serve para justificar a ocorrência de estupro

O machismo é um problema social que legitima a violência nos corpos femininos. O estupro, por sua vez, é uma dessas violências que merece mais atenção por todos/as em razão de afetar muitas mulheres, sobretudo, psicologicamente. Essa violência envolve vítimas e estupradores de diferentes classes sociais, raça, religiosidade e identidade sexual. Em virtude dessas diferenças sociais, entendemos que há tratamentos diversos por parte do judiciário para cada uma dessas vítimas e violentadores, conforme está sendo apresentado no episódio envolvendo Mariana Ferrer. Desse modo, exponho alguns questionamentos para que todos/as nós pensemos: Se Mariana Ferrer fosse negra e pobre, seu caso chegaria a tomar essa proporção? Do mesmo modo, se o estuprador não fosse um branco e rico, toda essa situação viria à tona?

Em nosso país, esse caso tornou-se emblemático para discutir a questão do estupro em vários sentidos, inclusive ao que se refere ao silenciamento de tal crime. O julgamento de Mariana Ferrer apenas escancarou o machismo que corrói uma sociedade marcada pela naturalização do estupro. No Brasil, cabe destacar o estupro das indígenas pelo colonizador, o estupro das mulheres negras pelos senhores, o estupro de mulheres no período de ditadura militar e os estupros que todos os dias acontecem e, as vítimas se silenciam porque não encontram apoio para levar adiante a queixa contra seus violentadores.

Mariana Ferrer teve a audácia de levar ao judiciário o estupro que ela sofreu, confiando na justiça que temos em nosso país. Com essa atitude, o que percebemos é que a voz das mulheres nos casos de estupro não tem nenhum valor, sobretudo, perante algumas instituições que têm a função de acolher as vítimas de violência. Alguns sujeitos que representam essas instituições tendem falar pelas mulheres para atestar se o estupro realmente ocorreu: primeiro por exames médicos que mulheres descrevem como sendo algo extremamente constrangedor. Em seguida, a vítima passa por interrogatórios, como se fosse a criminosa do caso. Por fim, o que se mostra é que a palavra da vítima de estupro não exerceu nenhum valor, mesmo perante as evidências.

O que nos aponta é de que Mariana Ferrer passou de vítima à acusada em decorrência de todos os julgamentos referentes ao seu comportamento social que não serve para justificar a ocorrência de estupro. Todas as mulheres precisam ser livres para se vestir da maneira que preferir; usar o batom da cor que gosta; frequentar os espaços públicos que desejar e se relacionar com quem tiver interesse. O comportamento feminino nunca pode ser visto como um convite para práticas abusivas. De igual modo, jamais a justiça pode falar por uma mulher perpetuando a injustiça como já aconteceu em muitos casos de violência contra as mulheres e, agora, ficou bastante evidente no caso do estupro de Mariana Ferrer que veio a público.

Portanto, finalizo este texto com as palavras que deveriam ser ouvidas desde o início do processo, que são as palavras de Mariana Ferrer que ecoam o brado de mulheres e de homens que desejam um mundo com equidade de direitos e respeito entre os gêneros feminino e masculino: "Eu gostaria de respeito, doutor. Excelentíssimo, eu estou implorando por respeito, no mínimo. Nem os acusados, nem os assassinos são tratados da forma como eu estou sendo tratada. Pelo amor de Deus, gente. O que é que é isso?"

JOANA RODRIGUES MOREIRA-LEITE é doutoranda em Estudos de Linguagem (UFMT), Pesquisadora sobre Discursos de Vítimas de Estupro, Professora de Letras do IFMT – Campus Avançado Sinop.



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