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Opinião
Segunda - 14 de Dezembro de 2020 às 09:58
Por: Wilson Pires

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Passagem da Conceição foi sujeita às décimas impostas pela Resolução Municipal Nº 267 de 02/12/1927, quando ainda distrito de Cuiabá, possível naquela década, pois estava em ascensão a vila. Obrigá-la hoje seria absurdo.

Apesar da criação do município de Várzea Grande pela Lei nº 126, de 23/09/1948, Passagem da Conceição só foi anexada à municipalidade várzea-grandense, desmembrando-se de Cuiabá em 11 de dezembro de 1953, por força da Lei Estadual nº 670, não alterando o sistema de vida da diminuta e paupérrima população, pelos aludidos motivos.

Situada na região norte mato-grossense, no trecho mais encachoeirado do Cuiabá acima, nos extremos dos limites cuiabanos com Várzea Grande, Passagem da Conceição, é o segundo Distrito de Paz do município.

Como limites ao Sul e Leste o rio Pari e ao norte e oeste parte das linhas divisórias do município de Nossa Senhora do Livramento e, na íntegra, as de Acorizal, abrangendo esse distrito as áreas lavradias da região da margem do rio Pari, a Fazendinha, o Engenho, o Esmeril e a povoação do Espinheiro.

Inicia-se sua história quando em 1813 o lavrador Manoel Antônio da Conceição, a quem chamavam simplesmente “Conceição”, ali se fixou, lavrando a terra e concedendo travessia para outro lado do rio, a quantos o procuravam. Munido de uma canoa, dela se servia para ajuda ao “ganha-pão” que a lavoura lhe concedia, pois ali um porto natural encurtava as distâncias para a capital.

Nessas paragens desertas, apenas a Fazendinha já existia, alguns quilômetros além, onde um senhorio (proprietário) de escravos se estabelecia e com seus negros explorava a terra movendo a lavoura e as catras (pequeno barco tripulado por um homem).

Ficando está situada mais acima, onde o porto muito se afastava de Cuiabá, atalhavam os moradores, interessados pela Passagem do Conceição. Tanto fizeram que as alusões se transformaram em costumes; pedir passagem ao Conceição” ou ir pelo porto da passagem do Conceição.

Um dia, outro senhor de escravos resolveu aproveitar aquelas terras, à margem direita do rio Cuiabá. Isso em pleno Império. Então uma leva de negros fora posta na ocupação das áreas lavradias de Passagem. Foi quando iniciou a construção de algumas casas, senzalas e até, um sobrado, frente à cachoeira, presumindo-se que tenha sido ali a residência do referido senhorio. A partir desse dia, Passagem começou sua ascensão e o porto, tornou-se de trânsito obrigatório, uma vez que não havia a ligação pela BR-364 e a gente, em demanda do sertão e vice-versa, passou a circular pela Conceição.

Vestígios de valas, escavações e o sobrado desaparecido com o tempo, assinalaram a passagem dessa escravatura até a libertação de 1888. Já ao alvorecer desse século, foram os veteranos dos nossos dias, encontrarem na posse da antiga sesmaria da Passagem da Conceição, o mulato Adão da Silva, casado com D. Rita, o qual se presume, teriam sido descendentes da união de escravos com brancos.

Por muito tempo a maioria dos habitantes do povoado era de cor negra, conforme uma das certidões comprovadas dos dias de escravidão, tão comum na época nos sertões do Brasil.

Também residiram nessas terras, no lugar denominado Morro, o senhor José Feliciano, chefe de prole numerosa, onde até hoje muitos dos seus descendentes são filhos do povoado.

O último ano do século XIX, a sesmaria da Passagem da Conceição foi vendida por aquele casal de mulatos por 200 mil réis, sendo entregue a servidão pública.

Igreja

Em 1910, graças ao empenho de Gabriel Modesto Curvo, angariando fundos e após obter colaboração do saudoso Arcebispo D. Aquino Corrêa, então presidente de Mato Grosso, erigiu-se a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, cuja imagem foi doada pelo Coronel Joaquim Cursino, um dos cuiabanos amigos de Passagem.

Um dos grandes colaboradores na construção da Igreja de Nossa Senhora da Conceição foi Bernardinho da Costa Arruda que juntamente com Gabriel Curvo e outros promoveram em sua casa as quermesses, leilões e bailes para angariar fundos destinados à construção da futura igreja. Bernardinho da Costa era muito amigo de Gabrielzinho, e foi em sua residência que a imagem de N.S. da Conceição ficou todo tempo necessário até construir a igreja. A população da então Passagem do Conceição ajudou a construir a igreja, que foi construída com adobe, um barro especial, utilizado para a produção de tijolo cru – que era retirado da localidade e levado em lombo de burros ou na cabeça ou nos ombros dos moradores em latas.

A BALSA

A balsa continuava sua curta e dramática “rota vai-e-vem”, sempre movida a varejão (vara grande) e o comércio local, exíguo, tinha como destaque os negócios oriundos da produção do chinelo, que por muito tempo foi famoso pela qualidade e pela quantidade que era vendida em Cuiabá, Várzea Grande, Poconé, Rosário Oeste, além das cotas remetidas para Corumbá.

A partir de 1916, o mercadinho passou a ter melhor movimento dos tropeiros, a fabricação do chinelo desenvolveu-se, graças à entrada de maior quantidade de solas e courinhos.

Outros moradores foram estabelecer-se ali e o comércio, que de início, contava apenas com os dois comerciantes passou a contar também com: Pedro Lino Marques Fontes, Guilherme Martin Leite, Gabriel Curvo e, logo depois pelos senhores Henrique Deodato da Silva e Antônio Sérgio Figueiredo.

Um dos veteranos da Passagem foi Manoel Venâncio de Figueiredo, que por muito tempo manteve ali a maior fábrica de chinelos, tendo sido político do lugar, até que a avançada idade lhe aconselhou aposentar.

Até 1929, Gabriel, o Gabrielzinho saudoso e popular anfitrião do sobrado velho do Beco do Ge com a Rua Grande, residiu na Passagem, onde prosperou, foi chefe político ao lado de Manoel Venâncio, Pedro Lino Marques Fontes (seu adversário) e outros, sendo sempre procurado quando das disputas eleitorais na Passagem.

Gabriel Curvo estabeleceu-se com comércio na Passagem, em 1906, quando eram poucas as casas, contando a vila com algumas fábricas manuais de chinelos e mais produtos de couro curtido à cinza.

Foi nos anos de 1920 e 1930 que a comunidade de Passagem da Conceição teve seu primeiro telefone, utilizado para comunicações mais urgentes com Cuiabá. Eram aparelhos do tipo grande, alongado, dependente das paredes, seu uso na vila teve curta duração.

Lenda

Desde os antigos pescadores, até os dias de hoje fala-se muito na lenda do “Minhocão do Pari”, que sempre foi tido como um ser maldoso que vira canoas pelo prazer de ver os pescadores se afogarem.

Uma professora e moradores importantes

Em 1916, funcionava na Passagem uma escolinha pública, orientada pela professora Eucares Marques Fontes, que foi melhorada com a chegada do governo de Dom Aquino e graças à interferência dos políticos locais. Só muito tempo mais tarde, após 30 anos de magistério primário, essa professora transferiu os encargos a sua substituta, quando já cansada pelos anos, para passar a perceber do Estado os irrisórios proventos de uma aposentadoria tão justa.

Professora Eucares teve o reconhecimento da comunidade de Passagem, pois foi uma das poucas figuras notáveis do magistério primário, trabalhando durante décadas com o mesmo zelo, sem recursos, perseguida, mal paga, no mais irrestrito cumprimento do dever. Abnegada, dedicou-se toda a sua mocidade a serviço da educação infantil, cumprindo sua sagrada missão de mestre exemplar.

Outro cidadão que se projetou em Passagem da Conceição foi Atanagildo Clodoaldo Barreto, que conseguiu a instalação do Cartório de Paz em 1923.

Lutador estava sempre ao lado das boas causas, tornando-se admirado na povoação, graças às qualidades do seu caráter.

Em 1916, junto com Passagem da Conceição já começava a povoação da Guarita, com poucas casas e uma escolinha. Por muitos anos foi coletor na região o senhor João Francisco Campos, que ali formou uma grande família. Também se destaca uma figura muito educada e progressista de Manoel da Silva Campos, o conhecido “Fiote da Passagem”, que lutou pelo surgimento daquela vila, juntamente com o seu irmão Plácido, um dos últimos fabricantes de chinelos da comunidade.

Outro grande morador da Passagem foi o senhor João Oleriano Marques Fontes, que foi proprietário de uma rede de peixe, cujo produto por muito tempo era vendido em Cuiabá.

Naqueles áureos tempos, Passagem era visitada constantemente pelos Presidentes do Estado e por figuras ilustres. Naquela época o senhor João Oleriano tornou-se popular e constituiu numerosa família que o acompanhou nos bons tempos da vila, cujos descendentes residem até hoje em Cuiabá e Várzea Grande. Também bastante conhecido na localidade foi o senhor Paulo Marques Fontes, escrivão de Paz de Passagem, que foi colega de Oleriano no velho Liceu Cuiabano. Paulo Marques faleceu na década de setenta.

Entre os antigos moradores de Passagem não se pode esquecer-se do seo João Roberto da Costa, que ali criou seus filhos Caetano, Benedito, Erasmo e Lindolfo. Seus descendentes foram encaminhados na indústria do chinelo, com sua morte, mudaram para Várzea Grande em 1943, onde montaram oficina de sapataria.

MUDANÇA E A ENCHENTE

A partir da década de trinta o povoado de Passagem da Conceição começou a decair, tendo como motivo a mudança de muitas famílias progressistas do ramo comercial e da indústria do chinelo, pois esta ia aos poucos se transferindo para a então vila de Várzea Grande, que contou com muitas sapatarias oriundas de Passagem.

A enchente de 1942 fez ruir várias casas da vila, deixando a maioria danificadas. Muitas famílias mudaram-se na ocasião levadas pelo desgosto, tal o prejuízo que a enchente lhes causou.

O mercado já não funcionava como antes, pois os tropeiros que do Pari, Espinheiro e rio acima faziam comércio com a Passagem, foram envolvidos nos negócios com Acorizal e Jangada. Foram atraídos pela facilidade que os caminhões em trânsito pela BR-364 passaram a conceder aos lavradores, que aos poucos se libertavam da árdua luta com as broacas de couro cru, que postas no dorso dos bois, faziam das distancias um mundo de sacrifícios para quem viviam da labuta da terra.

As redes que ocupavam os portos pesqueiros do rio abaixo e da Manga foram proibidas, impossibilitando praticamente a colheita do peixe ao redeiro da Passagem, cujos portos de pescas já não são mesmo muito favoráveis ao lançamento de redes. As áreas de terras, mais de banhados que de flora, pouco se presta à lavoura e só a estreita área ribeirinha é aproveitada na insignificante horticultura.

Incorporação a Várzea Grande

O então governador Ponce de Arruda, em 1958, autorizou a construção de um prédio escolar de estilo semi-moderno, mas nem isso despertou qualquer interesse aos que já estavam mudando da comunidade.

As casas velhas estavam ruindo e não se construíam mais outras. Sem ajuda do governo do Estado e do município de Cuiabá a qual pertencia à vila da Passagem, sua decadência foi total, porque não conseguia sobreviver na inércia em que estava.

Foi quando Passagem da Conceição foi sujeita às décimas impostas pela Resolução Municipal Nº 267 de 02/12/1927, quando ainda distrito de Cuiabá, possível naquela década, pois estava em ascensão a vila. Obrigá-la hoje seria absurdo. Apesar da criação do município de Várzea Grande pela Lei nº 126, de 23/09/1948, Passagem da Conceição só foi anexada à municipalidade várzea-grandense, desmembrando-se de Cuiabá em 11 de dezembro de 1953, por força da Lei Estadual nº 670, não alterando o sistema de vida da diminuta e paupérrima população, pelos aludidos motivos. Só o aproveitamento de sua área, com um sistema de pequenas indústrias reunidas poderá, no futuro, soerguer-la povoando suas terras.

Nos dias de hoje, a tradição da travessia da Passagem da Conceição/Barra do Pari é mantida, só que agora não mais nos pesados batelões, mas em leve barco de alumínio impulsionado por remos. A travessia é feita por dois funcionários da Prefeitura de Várzea Grande, que se revezam na tarefa, um de manhã e outro á tarde.

Apesar das tentativas de resgate do passado, o acesso é asfaltado, tem toda estrutura que o município de Várzea Grande dispõe como posto de saúde, energia elétrica, água, educação e é muito frequentada por banhistas e por aqueles que procuram por uma boa culinária, que tem em especial o famoso peixe, onde possuí diversos restaurantes, inclusive com categoria internacional.

Wilson Pires é jornalista em Mato Grosso.



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