Repórter News - reporternews.com.br
Opinião
Domingo - 20 de Dezembro de 2020 às 10:30
Por: Manoel Vicente de Barros

    Imprimir


Hoje quero compartilhar um drama dos que escutam dramas. Psiquiatras ainda lutam por um norte na definição de sintomas do mal do século, a depressão.

É relativamente fácil reconhecer algumas doenças, seja caxumba, tuberculose, vitiligo ou osteoporose. O que não aparece prontamente aos olhos, se mostra em exames simples. Catapora gera as mesmas lesões em qualquer pessoa, diabetes sempre aumenta os níveis da glicose.

Doenças com mecanismos patológicos conhecidos e que causam um conjunto definido de sintomas são mais fáceis de entender e tem um tratamento mais preciso.

O processo de diagnóstico na psiquiatria, no entanto, pode ser completamente diferente de outras especialidades. Ao invés de analisar um exame de sangue, um teste objetivo ou uma tomografia, nós escutamos as alterações dos pensamentos, humor, comportamentos e outros aspectos da mente.

Se alguém tem um determinado conjunto de sintomas e se eles não são causados por uma alteração hormonal ou neurológica, é feito um diagnóstico psiquiátrico.

Alguns guias organizam, um a um, os sintomas possíveis para os diferentes quadros, a maior referência mundial é o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM).

Psiquiatras ainda lutam por um norte na definição de sintomas do mal do século, a depressão

Para ser diagnosticada com o que chamamos depressão maior, ou apenas depressão, a pessoa precisa de dois sintomas principais - tristeza e/ou perda do prazer - associado a pelo menos cinco sintomas acessórios - perda ou ganho de peso, insônia ou sono aumentado, apatia ou agitação, perda da energia, sensação de culpa, perda de concentração, dificuldade na tomada de decisões e pensamentos de morte ou suicidio.

Oras, que doença é essa que pode causar tanto apatia, quanto agitação? Ganho ou perda de peso? Sintomas antagônicos provavelmente são causados por alterações fisiológicas diferentes no corpo de cada pessoa.

Outro problema, o mesmo sintoma pode ter uma origem totalmente diferente. Dor de cabeça acontece na enxaqueca e na miopia sem tratamento. Náuseas aparecem na gravidez e na intoxicação alimentar. Julgar somente pelos sintomas pode levar ao erro.

Pedindo uma mãozinha das exatas, calculamos nada menos do que 256 formas diferentes de se ter depressão, se considerarmos todos os subtipos possíveis, esse número passa de 10 mil. Apresentações absurdamente diferentes para o mesmo diagnóstico.

Estabelecer um tratamento preciso é quase impossível quando temos uma definição tão imprecisa. Ocorrem deficiências na produção de neurotransmissores, nas estruturas dos neurônios, na regulação de hormônios como o cortisol e inúmeras outras alterações ainda desconhecidas que podem culminar nos sintomas que agrupamos no guarda chuva da depressão.

Isso explica porque parte da psiquiatria ainda existe na tentativa e erro, experimentação, observação da reação às medicações prescritas. É um caminho potencialmente difícil de ser percorrido, mas com insistência e um profissional qualificado, atinge ótimos resultados.

Muito melhores que no passado, espero que melhores ainda no futuro.

O futuro, na verdade, já se revela no horizonte. As classificações devem abandonar os conceitos sintomáticos e focar nas variações genéticas e alterações metabólicas que geram cada quadro.

Hoje, testes genéticos de causas específicas de depressão já são acessíveis. Mais refinamento e precisão biológica do que jamais visto.

E eis a minha resposta à fatídica pergunta: “mas eu vou usar esse remédio para o resto da vida?”, o resto da vida é muito tempo, em alguns anos você muda, os paradigmas se atualizam, seu diagnóstico pode ser outro.

A melhor postura é viver o agora, aproveitar o que temos para hoje e se apegar à sua melhora.

Manoel Vicente de Barros é psiquiatra em Cuiabá e atua no tratamento de depressão e ansiedade.



Comentários

Deixe seu Comentário

URL Fonte: https://reporternews.com.br/artigo/3480/visualizar/