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Opinião
Domingo - 27 de Dezembro de 2020 às 07:01
Por: Marcelo Portocarrero

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Outro dia li com o entusiasmo de sempre a republicação do artigo “Cuiabá e o novo traçado da Ferronorte” de autoria do premiado arquiteto José Antônio Lemos e pulicado na Gazeta Mercantil de 09/06/1999. Como sempre e de forma gentil ele o enviou a seguidores e amigos através de seu blog. (http://blogdojoselemos.blogspot.com/1999/06/cuiaba-e-o-novo-tracado-da-ferronorte.html).

Se pudéssemos comparar o esforço empregado por Vicente Vuolo para trazer a ferrovia até Cuiabá creio que o melhor termo seria a uma “ode”, ou seja, a um poema lírico, considerada a paixão com que ele se empenhou para desenvolver seu projeto de Lei de forma tão bem estruturada, elevada e até mesmo solene, tanto que conseguiu fosse aprovado pelo Senado para transformar-se na Lei Federal 6.346/76 voltada à inclusão no Plano Nacional de Viação da ligação entre Rubinéia no estado de São Paulo e Cuiabá em Mato Grosso. O traçado da nova ferrovia partiria de Rubinéia (SP), passando por Aparecida do Taboado (então MT, hoje MS), Rondonópolis (MT) e atingiria Cuiabá (MT). (Wikipédia)

A causa da não vinda dos trilhos da Ferronorte é técnica, econômica, ambiental e convenhamos, antiga

A partir da Lei decorreram outros importantes esforços para concretizar seu trabalho – todos em vão – até recentemente quando a RUMO LOGÍSTICA se tornou concessionária da ferrovia.

Lá se foram longos 44 anos de espera…parece que agora vai. Vai, mas em termos porque não será do jeito que se pretendia vez que ela não passará pelo núcleo urbano do município e sim por sua área de abrangência.

Fato é fato, e não um boato a ser confirmado. A causa da não vinda dos trilhos da Ferronorte é técnica, econômica, ambiental e convenhamos, antiga. Portanto, já era sabido que de nada adiantaria usar argumentos políticos junto à ANTT – Agencia Nacional de Transporte Terrestre para que ela aprovasse a implantação no traçado pretendido.

O documento exigido, o EVTEA – Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental, sequer deve ter contido essa possibilidade, consideradas as normas que regem esse tipo de projeto. O obstáculo intransponível neste caso é que ferrovias devem contornar e não adentrar áreas urbanas. São questões de segurança, custo, impactos sociais e ambientais, além de fatores operacionais como por exemplo a velocidade das composições.

Portanto, parece estar claro que o objetivo da RUMO e daqueles que recentemente abraçaram sua causa sempre foi o de obter a renovação da concessão. Trazer seus trilhos para a área metropolitana de Cuiabá foi uma estratégia usada pelo interessado e aproveitada por políticos oportunistas. Quem esteve na Audiência Pública acontecida na FIEMT sabe muito bem que esse foi o indicativo dado pelos dirigentes da ANTT e nada, absolutamente nada, mudou a firme posição técnica daquela instituição. Vicente Vuolo não, ele sempre teve seu objetivo focado no desenvolvimento de Cuiabá e de Mato Grosso.

Em resumo, as últimas demonstrações de empenho para trazer a ferrovia à cidade foram encenações. Isso está claro desde muito tempo atrás quando da reunião havida no Hotel Fazenda Mato Grosso onde Olacyr de Moraes, então dono da concessão, disse a todos os presentes que a ferrovia não poderia passar dentro de cidades e que, portanto, não poderia traze-la até Cuiabá. Quem estava lá ouviu. Mas não se tratou de soberba ou coisa parecida, pelo contrário, ele foi direto ao ponto, esse mesmo ponto que permanece sendo considerado pela ANTT e que de repente, não mais que de repente, passou a ser aceito como justificativa pelos que fingiram não saber de nada, mas que já sabiam de tudo o tempo todo.

Tivesse o governo do estado procurado concluir o que estava programado no PND – Plano Nacional de Desenvolvimento onde estavam inseridos os Distritos Industriais (Cuiabá, Rondonópolis, Barra do Garças e Cáceres) talvez a realidade seria outra. Cuiabá e Várzea Grande, está última chamada de “Cidade Industrial” eram e continuam a ser cidades político-administrativas que aos poucos estão se tornando centros de prestação de serviço principalmente nas áreas de saúde e educação, mas pouco fizeram por conta própria para atrair empreendimentos na área industrial além da mínima infraestrutura implantada. O Distrito Industrial de Cuiabá é prova inconteste disso uma vez que tanto ele como os demais começaram a ser implantados ainda no final da década de setenta. Entretanto, desde aquele tempo estamos assistindo seus projetos originais serem aos poucos abandonados e redirecionados para outros fins a cada governo, mandato após mandato.

O que realmente aconteceu foi que as cidades pouco fizeram para serem atrativas às indústrias de processamento e de transformação. Deixaram todo o esforço para o estado e ao próprio empresariado. O estado por sua vez pouco se empenhou em desenvolver políticas de atração industrial condizentes, consistentes e duradouras mesmo considerando as tímidas inciativas ocorridas na área fiscal. Sem espectro de longo prazo as estratégias adotadas tanto pelo estado como pelos municípios invariavelmente procuraram e continuam a buscar respostas imediatas o que prejudica de forma considerável o desenvolvimento e a permanência de um setor que precisa de tempo e infraestrutura adequada para obter resultados positivos. As margens de lucro das indústrias nas atividades acima citadas são pequenas e seus resultados para serem expressivos precisam levar em conta quantidade, qualidade e logística, aspectos que entre a matéria prima, o processamento, o transporte e a comercialização são contados aos centavos por unidade de medida.

Espero ter contribuído com minha visão dos fatos vinda da experiência no setor durante o tempo em que trabalhei na área. Sempre esteve claro para mim que não bastariam incentivos locacionais para atrair investimentos privados, é preciso ser mais agressivo no trabalho de promover o desenvolvimento industrial e isso deixou a desejar tornando-se com o passar dos anos uma das razões pelas quais ainda estamos pagando o preço da inoperância.

Temos finalmente a excelente oportunidade de nos tornarmos competitivos com a iminente implantação da malha ferroviária projetada pelo governo federal para todo o estado. Como sabemos serão três obras infra estruturantes que têm por primeira razão facilitar e baratear a retirada de nossa produção agropecuária. Pois é, mas para isso será preciso transforma-las em vias de mão dupla porque só assim passaremos de produtores de alimentos e insumos para a imperiosa condição de processadores da maior parte das matérias primas que produzirmos. Esse é um objetivo que está passando ao largo dos governantes e políticos que até agora só usaram as ferrovias como palanque. A hora é agora senão, como diriam os mais antigos, o cavalo selado vai passar de novo.

Marcelo Portocarrero é engenheiro civil



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