O custo do negacionismo Gracejos com coveiros, peixinhos ou jacarés foi insulto à dor dos familiares
O negacionismo e a incompetência têm imposto ao Brasil um elevado custo em vidas humanas. Em um único dia em Manaus, morreram mais pessoas (90 em 19/01/2021) do que em um ano de pandemia no Vietnã um dos países mais pobres da Ásia, com 98 milhões de habitantes (35).
Com menos de 3% da população mundial, nossos mais de 212 mil mortos representam mais de 10% das vítimas da Covid-19 no planeta.
Ao longo de 2020, como em nenhum outro país no mundo, presenciamos autoridades e lideranças empresariais negarem a gravidade da pandemia, desprezarem a adoção de medidas preventivas de distanciamento social, desacreditarem as pesquisas científicas para desenvolvimento de vacinas e postergarem as providências diplomáticas e logísticas para a vacinação maciça e urgente dos brasileiros.
Com mais de mil mortes diárias, a leviandade mórbida de fazer gracejos com coveiros, peixinhos ou jacarés foi um insulto à dor dos familiares e amigos das vítimas da Covid-19. Parcela da população, desorientada e estimulada por tais indivíduos e intoxicada por fake news produzidas em usinas de desinformação, relaxou os protocolos de segurança, ocasionando novo e expressivo aumento nos índices de contaminação, internação e óbitos.
Gracejos com coveiros, peixinhos ou jacarés foi insulto à dor dos familiares
O mais paradoxal é que o que parece mover muitos desses negacionistas é o desejo de retomada plena das atividades econômicas. Todavia, tal retomada só ocorrerá efetivamente a partir da imunização maciça da população, por meio das vacinas.
É o que se sabe e o que se busca em todo o mundo, menos aqui.
Quando, no início da pandemia, todos buscaram financiar pesquisas para produzir vacinas ou, pelo menos, assegurar contratos de fornecimento quando elas estivessem disponíveis, no Brasil a irresponsabilidade investiu muitos milhões de reais em remédios sem eficácia comprovada e agora a incompetência logística não foi capaz sequer de assegurar oxigênio para pacientes em estado grave em Manaus, tampouco adquirir suprimento adequado de seringas e ampolas, muito menos de vacinas.
As poucas doses inicialmente disponíveis, insuficientes para atender 1,5% da população, somente foram obtidas pela iniciativa do governo de São Paulo e do Instituto Butantan, mas a sua distribuição no restante do país tem revelado improvisação e falhas inaceitáveis. Mais grave ainda é a total dependência de insumos importados que, combinada com uma política externa que verbaliza agressões aos nossos principais parceiros comerciais, acumulando e exacerbando conflitos nas mais diversas áreas, configura o que os meteorologistas denominam tempestade perfeita.
Não foi por falta de avisos de nossos cientistas e da comunidade médica. Não foi por falta de alertas de autoridades locais sinceramente empenhadas no combate à pandemia. Foi por opção, por inépcia, ou por ambas que o nosso processo de vacinação iniciou atrasado, insuficiente e claudicante. Com mil mortes diárias e aumentando, quem deveria coordenar os trabalhos fez questão de não demonstrar pressa, ansiedade ou angústia.
Pior é a campanha para desacreditar as vacinas. Observa-se toda uma estratégia medieval e trevosa para semear dúvidas, disseminar objeções e reduzir ou postergar a adesão à vacinação. Além das bobagens acerca da nacionalidade dos laboratórios produtores, uma das mais grotescas afirmações que circulam é a de que as vacinas foram desenvolvidas “a toque de caixa”.
Ora, o desenvolvimento das vacinas em menos de um ano é uma extraordinária vitória da ciência, mercê do trabalho e dedicação de dezenas de milhares de especialistas em todo o mundo. Sem dúvida, foi um esforço inédito e exitoso para confrontar uma emergência sem precedentes para a humanidade.
Boicotar, prejudicar e/ou tumultuar a vacinação é atentar contra a saúde pública. Vacinar-se é um ato de respeito à coletividade e de amor ao próximo.
Um dia conheceremos quantas mortes de brasileiros teriam sido evitadas se a postura de nossos dirigentes maiores no enfrentamento da pandemia tivesse seguido o padrão de uruguaios, israelenses ou vietnamitas.
Luiz Henrique Lima é conselheiro substituto do TCE-MT.
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