O País ímpio De um lado, um presidente insensível; de outro, cemitérios em ampliação
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
O Navio Negreiro.
Castro Alves
Cá estou a tentar colocar meus pensamentos em ordem para entender o que aconteceu neste País dominado pela incompetência, pelo descaso, pela soberba e pela infinita despreocupação com a vida das pessoas.
De um lado, um governante desprovido da mais mínima sensibilidade que, diante de mais de duzentos e cinquenta mil mortes, mantém um comportamento como se vivesse em um país pleno de saúde e completo bem-estar social. De outro, cemitérios em permanente ampliação para enterrar tantos cadáveres de brasileiros vitimados pela Covid 19, que morreram pela incúria criminosa de um Ministério da Saúde comandado por um General desprovido de qualquer conhecimento do assunto e que ainda se mantém no comando pela desvergonha que possui, pois qualquer pessoa dotada de dignidade já teria pedido desculpas e desaparecido na floresta amazônica de onde não deveria ter saído.
A minha indignação é tanta, mas a minha educação é maior, razão pela qual já teria escrito cobras e lagartos em letras negritadas em vermelho
A minha indignação é tanta, mas a minha educação é maior, razão pela qual já teria escrito cobras e lagartos em letras negritadas em vermelho. É entre a tristeza e a perplexidade que observo as manifestações desse governo desprovido de pudor e de respeito. Hoje mesmo, para dar posse a dois ministros insignificantes, promoveu farta distribuição de coronavírus no Palácio do Planalto, em uma aglomeração impensável em qualquer sociedade onde os lambe-botas inexistem, mas lá estavam eles, a espera de uma migalha de atenção, disputando centímetros quadrados no entorno do suserano.
Creio que devo estar delirando como Castro Alves em seu poema, pois não é possível que ninguém desse governo consiga perceber a criminosa atuação de todos. Para eles, os céus de Brasília devem ter sido abençoados por alguma mão que protege os desalmados bem armados, razão pela qual se comportam na plenitude do desvario politiqueiro, cada um buscando uma prebenda maior.
Do Executivo ao Legislativo a conduta é a mesma. Impensável em uma Nação civilizada. A Câmara Federal, em uma atitude de vingança desmedida, tenta impedir que malfeitores e criminosos sejam presos, mesmo que tenham mandado matar alguém. É como se parlamentares recebessem por revelação divina o dom da vida e da morte e, por isso, não devem ser incomodados em seus misteres de profanar o que resta da sacralidade da ordem pública e de um suposto estado democrático de direito, tão apregoado pelo judiciário. Um estado de faz de conta onde o que conta é a cumplicidade perpétua de um corporativismo criminoso, dolosamente construído para dar guarida a criminosos que se manifestam publicamente, mas se mantém ilesos e isentos em uma impunidade que envergonha nossa história.
O que nos resta? Um esperança, a única coisa que nos resta é uma réstia de luz que eventualmente surge em um fim de túnel cheio de curvas perigosas.
Enquanto isso... [...] milhares de miseráveis, subprodutos da pandemia, continuam em sua anemia crônica causada pela perda do emprego e da renda, aguardam, ordeiros, em uma infinita fila à espera de uma ajuda que deve sair de um saco sem fundo do erário. Era fácil resolver isso, bastava direcionar o dinheiro das emendas parlamentares obrigatoriamente pagas, para o bolso dos famintos e desvalidos. Mas isso fere o decoro parlamentar.
José Pedro Rodrigues Gonçalves é médico
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