Soluço político
Patrocinar a desinformação é a alma do balcão de negócios políticos no Brasil. Não por acaso, o soluço político da ex-senadora Marina Silva escreve uma página importantíssima na trajetória das eleições de 2014. Com a experiência de quem se serviu em demasia do marketing político e pessoal para abocanhar quase 20 milhões de votos em 2010, a dona da — temporariamente clandestina — Rede Sustentabilidade mergulhou de cabeça no PSB do presidenciável Eduardo Campos e protagonizou o maior fato político do ano. Um soluço maior, mais emblemático e com admirável visibilidade.
O maior trunfo político de Marina — se é que podemos chamar de trunfo tal estratégia — é conseguir disfarçar seus delírios atrás de metáforas bem calculadas e abstrações tão profundas quanto poéticas. Uma megalomania que atinge em cheio a fé de quem só consegue enxergar o Brasil como um tubo de ensaio capaz de suportar todas as experiências salvacionistas que ilustram teorias acadêmicas anacrônicas feito os bigodões do Sassá Mutema e do José Sarney.
O que difere a ex-verde e ex-ministra lulista dos tradicionais — e não menos nauseabundos — politiqueiros brasileiros? Criar mais um partido político com o único objetivo de viabilizar uma candidatura à Presidência da República confere à Marina Silva a mesma envergadura de um Paulinho da Força e seu alugado Solidariedade. É justamente sua posição na suposta “régua da grandeza política brasileira” que camufla a realidade de sua coerência num falso espanto com o anúncio de filiação ao PSB, agremiação partidária nascida de uma ala interna da UDN. À desinformação cumpre a tarefa de propalar a “surpresa” e transformar soluço em susto.
O mais interessante — e talvez prova da cultural hipocrisia — é observar que a legião de “marineiros”, ao tempo que prega o combate ao pensamento midiático financiado pelas fartas tetas dos cofres públicos, compra uma iniciativa messiânica disfarçada de inovação política, vendida pelas linhas editoriais dessa imprensa de compadrio.
Não por acaso, a derrota cartorial da Rede Sustentabilidade e a filiação de Marina Silva ao PSB ganharam status de manchete nos principais veículos de comunicação e transmissão ao vivo por emissoras de televisão na limítrofe tarde de sábado, assumindo os trending topics das redes sociais, ainda que, por ausência de coragem, liberdade e até mesmo qualificação, nenhum jornalista tenha questionado, dentre tantas perguntas abertas, como a ex-senadora pretende “sepultar a Velha República” aliando-se a um político tão “tradicionalista” que foi capaz de nomear a própria mãe para o Tribunal de Contas. É na garantia da inexistência de tais questões que reside o fundamento da desinformação.
Justo por essa vertente de construção do pensamento, cunhou-se a máxima de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seria um extraordinário estrategista político e uma espécie barbada de “Mãe Dinah”. Onde ficou todo esse poder de antevisão do lulismo quando permitiu aos “companheiros” sabotar a coleta de assinaturas e fazer uso do visível aparelhamento do Poder Judiciário para inviabilizar a delirante nova sigla pretendida pela ex-correligionária? O resultado imediato chegou aos desinformados como pauta de destaque do principal telejornal da pátria de chuteiras, sob o signo de surpresa triunfal. Ao final do tergiverso feito, resta ao “sábio” Lula e sua assecla Dilma Rousseff o sistemático e crônico silêncio “rosemérico”.
Ao largo da desinformação fica a curiosa — e não menos confortável — situação do governador pernambucano. Estrategicamente articulada desde o início de 2013, a filiação de Marina Silva ao PSB, por inexistência de sua Rede, coloca Eduardo Campos numa situação interessantíssima: pode melhorar sua quarta posição nas pesquisas numa perniciosa aliança “puro sangue” com a segunda colocada; ou pode aproveitar a exposição até abril de 2014, declinando de sua candidatura presidencial em favor de Marina, sem prejuízos políticos e julgamentos de mérito, pleiteando uma vaga no Senado Federal e preservando seu nome para a disputa de 2018.
Difícil é explicar essas tratativas pragmáticas, agora convenientemente chamadas de programáticas. De onde Marina Silva arrancará ousadia e inovação pra combater a “Velha Política” fazendo uso do pilar “vale mais um mau acordo do que uma boa briga”? Mergulho numa dúvida quase hamletiana: por que estou com a sensação de que esse soluço político beira a eructação?
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