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Opinião
Sábado - 24 de Abril de 2021 às 06:59
Por: Gonçalo Antunes de Barros Neto

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A identidade das pessoas é a mesma ao longo do espaço/tempo por causa de nossa estrutura, das partes que somos compostos? É por causa da mente e de nossos sentimentos? Ou da história de cada qual? Explico, problematizando a questão para depois responder. Primeiro, lembraremos de uma pequena passagem histórica (mito ou verdade? Aqui não importa, apenas a lição).

O paradoxo do Navio de Teseu (rei fundador de Atenas) fez-se conhecer ao mundo pela lavra de Plutarco, filósofo e seguidor de Platão. Descreve o citado pensador grego como Teseu retornou de uma longa viagem pelo mar.

Ao longo de todo o percurso, todas as velhas e desgastadas placas de madeira que formavam o navio foram sendo arrancadas e substituídas por outras mais novas. As velhas eram jogadas ao mar na medida em que foram substituídas.

Quando Teseu e comandados retornaram da viagem, cada placa de madeira do navio havia sido trocada. Isso nos leva à indagação: O navio em que retornaram era o mesmo em que partiram?

Claro está que o exemplo é de um objeto e não pessoa. Mas no final, nos servirá também.

Mais tarde, já no século XVII, um outro filósofo, Thomas Hobbes, levou esse paradoxo mais adiante. Imagine, agora, que seguindo o navio de Teseu houvesse um ser reciclador. Enquanto os comandados do grande rei descartavam as placas de madeira no mar, o reciclador as recolhia da água para construir o próprio navio.

Portanto, duas embarcações chegaram ao porto, a que conduziu Teseu, com placas novas de madeira, e a outra, construída pelo reciclador, com as madeiras descartadas ao mar.

Nesse contexto, qual é o navio de Teseu? O que torna o navio de Teseu o navio de Teseu? As partes individuais das quais o navio é feito? A sua estrutura? A história do navio? (Paul Kleinman, Filosofia).

Se a resposta for as partes individuais das quais o navio é feito, teremos que o primeiro navio (A) é o mesmo navio do reciclador (C), mas Teseu chegou no navio com placas novas (B). Contudo, aqui há um paradoxo, para que isso fosse possível, Teseu teria que ter trocado de navio, razão pela qual a resposta não pode ser essa, pois, Teseu nunca deixou o navio, nunca esteve a bordo de dois navios. Partiu em A e retornou em B.

Então, temos a primeira conclusão: não se mantém a própria identidade pelas partes do corpo. Ora, se alguém perder um braço ou uma perna continuará sendo a mesma pessoa. No mesmo sentido, nem pela mente ou sentimentos. Basta imaginar uma pessoa que tenha perdido a memória ou mesmo o amor por alguém, ela teria perdido a própria identidade? Seria outra pessoa?

Também, o navio A não pode ser o mesmo navio B, visto que este tem todas as placas de madeira novas. Ainda, não pode ser o navio C, pois, este conduziu o reciclador, e não Teseu, até o porto, e Teseu nunca esteve a bordo de dois navios. Outra, não se pode afirmar que A seja igual a B, já que isso implica que A seja diferente de C, o que seria um paradoxo: cada parte de C é também parte de A.

Esse paradoxo do Navio de Teseu trata especificamente da identidade.

Traduzindo-o para as pessoas, penso que a identidade de alguém, ou seja, quem a pessoa verdadeiramente ‘é’, não é um número de RG ou CPF (estes podem ser falsificados ou trocados), não são os membros do corpo ou mesmo a mente e sentimentos, mas a história. A complexidade de acontecimentos históricos em torno de determinado ser (aqui não farei distinção entre ente e ser).

Essa será sua verdadeira identidade, um ser formado ao longo da própria história, da singularidade de sua existência, algo parecido com o ‘estudo do ser enquanto ser’ da metafísica de Aristóteles; mas não sobre a razão da sua existência, e, sim, sobre seu histórico enquanto ser do mundo.

É por aí...

Gonçalo Antunes de Barros Neto tem formação em Filosofia e Direito.



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