Perdas e ganhos espirituais em tempos dolorosos Como evitar pensar e refletir sobre a morte, agora, posta de modo tão duro e trágico?
Nestes tempos pandêmicos no Brasil, somos surpreendidos pelas notícias, nas redes sociais e na mídia, do falecimento de pessoas conhecidas e desconhecidas que, em alguns casos, morrem no intervalo de um mês, e até mesmo, uma semana após serem acometidas pelos sintomas mais graves da covid-19. Tempos dolorosos com tanta gente indo embora, às vezes uma família quase inteira desaparece – pai, mãe, filhos, todos de uma só vez, praticamente!
Como evitar pensar e refletir sobre a morte, agora, posta diante do povo brasileiro de modo tão duro e trágico? No entanto, há um número considerável da população que ainda ignora a letalidade da covid-19 e tem banalizado o risco de morte a si e ao outro. Estão por aí a dar calotes na verdade...
Outra reflexão, que me é recorrente em tempos de milhares de mortes repentinas, refere-se ao perdão – a quem ferimos e por quem fomos feridos? Estamos reconciliados conosco e com a nossa história de vida? Se a morte batesse à nossa porta hoje, com que qualidade de ser deixaríamos o corpo e iniciaríamos a partida rumo ao desconhecido, à dimensão do além, muito além deste mundo? Com confiança nos méritos adquiridos pela prática do amor e da compaixão pelo próximo, por exemplo? Ou com medo pelos débitos espirituais não saldados? Que sequer teriam sido olhados e, portanto, não teriam recebido a devida atenção.
Neste cenário que se formou com a apocalíptica proporção assumida pela crise sanitária no Brasil, ouso afirmar que caminha lado a lado a potencialidade de muitos despertarem do prolongado sono da inconsciência, igualmente catastrófico
E quanto a outros tipos de padecimentos que a vida traz em algum momento a todo e qualquer indivíduo? Que preparo cada um tem para o enfrentamento da dor? Será arrastado pela correnteza do sofrimento e sufocado pela não aceitação da realidade? Quantos perdem a força vital em situações difíceis, por não compreenderem a natureza da vida e os seus movimentos.
Muitos se entorpecem com as drogas lícitas e ilícitas, com remédios da medicina alopática (alguns também podem dopar e viciar), busca desenfreada por prazeres mundanos, que criam mais problemas e sofrimentos. Comportam-se desse jeito porque não conseguem lidar com os desafios existenciais apresentados e querem fugir das dolorosas reações emocionais que eles provocam. Quem age assim extravia a chance de transformar as adversidades em degraus que conduzem ao autoconhecimento, à sabedoria e à elevação da consciência.
Neste cenário que se formou com a apocalíptica proporção assumida pela crise sanitária no Brasil, ouso afirmar que caminha lado a lado a potencialidade de muitos despertarem do prolongado sono da inconsciência, igualmente catastrófico...
Disse o Mestre Sufi Gurdjief:
‘Um dos melhores meios de despertar o desejo de trabalhar sobre si mesmo é tomar consciência de que a gente pode morrer de uma hora para outra. E isso, é preciso aprender a não esquecê-lo.’
Enquanto durar a pandemia no Brasil e no mundo, não teremos como esquecer que o perigo da morte está a rondar todos nós, principalmente quem ainda não foi vacinado contra a covid-19 e, concomitantemente, infringe os protocolos de biossegurança recomendados pela ciência.
De que maneira cada pessoa está lidando com a ameaça à vida pela eventualidade de contágio do letal vírus, que se acentuou no Brasil pelo negacionismo em nível do governo federal e, também em alguns casos, dos governos estadual e municipal? Essa e outras perguntas estão no ar e pairam sobre a cabeça de muitos brasileiros, imagino.
Quanto tempo nós viveremos, definitivamente, não está em nossas mãos. Desde a nossa primeira respiração, após o nascimento, estamos sujeitos a partir da dimensão terrena, não é mesmo? Conscientes dessa realidade, escolhemos viver na superfície das águas do mar que tocam a areia? Vida de zumbi em busca de poder, dinheiro e prazer somente? Ou ansiamos descobrir a joia rara que há além do corpo, além da mente? Nessa direção, reservamos algum tempo para conhecer o mistério do nosso Ser?
Encerro minhas reflexões com as palavras do grande José Saramago:
"Damos voltas e voltas, mas, na realidade, só há duas coisas: ou escolhes a vida ou afastas-te dela".
ENILDES CORRÊA é administradora, terapeuta corporal, professora de Yoga e orientadora de práticas de Meditação e Respiração.
Comentários