A Mediação como fato novo nas Recuperações
As inovações legislativas sempre causam certo alvoroço na comunidade jurídica. Em artigo anterior, em agosto de 2020, comentei do meu entusiasmo com a efetivação da recuperação extrajudicial como mecanismo de menor intervenção do judiciário nas soluções relacionadas aos processos de insolvência das empresas.
A edição da lei nº 14.112, sancionada pela Presidência da República no ano passado e que entrou em vigor recentemente, não diminuiu a importância desse instituto, muito pelo contrário. Diante do cenário pandêmico, onde a insegurança econômica toma conta da realidade e pode provocar o aumento da busca de alternativas para o soerguimento das empresas, o judiciário se torna peça fundamental.
O empresário em crise não deveria ser ponto de desconforto para a comunidade. Tendo em vista a função social das empresas e o fato de que a manutenção delas representam ganhos relevantes aos atores das relações comerciais, o período de dificuldade pelo qual muitos empresários estão passando impactam diretamente a todos. E a sociedade não pode ficar alheira a discussão relacionada à insolvência.
A inovação representa um novo momento da participação direta dos envolvidos no processo. No artigo 20-B da lei 11.101/2005, repousa umas das maiores mudanças que acabaram, no meu sentir, encaixando neste momento complexo das relações comerciais.
No dispositivo incerto, serão admitidas conciliações e mediações antecedentes ou incidentais aos processos de recuperação judicial. Fato que transforma o passo a passo da judicialização do soerguimento em um debate de propostas com a participação daquele que futuramente terá a palavra final. Realidade contagiante e que desperta o interesse dos defensores da composição nas soluções dos conflitos.
Evoluindo o pensamento, a polêmica cautelar antecedente, criticada por alguns pensadores do tema, revela a primazia de se inserir o judiciário no debate anterior a propositura da demanda. Não afetado o direito de terceiro, a conciliação e mediação adentram diretamente ao processo de insolvência. E mais, outros defendem que tudo pode ser levado a essa nova modalidade, inclusive discussões societárias entre os controladores das empresas em dificuldade.
Vale a extensão do instituto como apontada Sacramone, além de entre os sócios, o conflito a ser dirimido poderá ocorrer entre o empresário devedor e os credores não sujeitos à recuperação judicial. Tal conflito poderá comprometer a preservação da atividade empresarial, ao permitir a constrição de ativos essenciais ou não permitir a melhor satisfação dos interesses dos credores não sujeitos. Nesse sentido, ainda que não estejam submetidos à negociação coletiva da recuperação judicial, referidos credores, individualmente ou de forma coletiva, poderão buscar melhor solução autocompositiva para a maximização dos interesses individuais, em benefício próprio e do devedor. Sacramone, Marcelo Barbosa, em Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência.
O mesmo autor que critica o instituto, mas aponta a realidade da imposição da lei, indica que a benesse deve ser levada, inclusive, ao instituto do qual demonstro meu total apego: a Recuperação Extrajudicial. Ou seja, um procedimento que já merecia toda minha admiração pelo seu caráter conciliatório, agora possibilitará ao devedor fazer uso de cautelar antecedente para suspender todas as execuções, mesmo antes de concluir as conciliações relacionadas ao plano. Ao mesmo tempo, poderá levar ao Centro Judiciário de Soluções de Conflitos - CEJUSC, os acordos que vem tentando formalizar após a elaboração de um plano.
Por certo, as mudanças vão gerar debates e discussões doutrinárias e jurisprudenciais. Porém, vale a intenção do legislador de tentar diminuir o tempo e o conflitos dentro do labirinto do processo, antecipando uma solução que poderá ser relevante para o salvamento de uma empresa em crise.
Essa realidade inovadora não é isolada. O novo texto prevê mudanças nas condições de pagamentos de dívidas, estimula a facilitação de empréstimos e discorre sobre a possibilidade de apresentação de um plano de recuperação judicial pelos credores. O administrador judicial fica responsável por estimular a conciliação e demais métodos alternativos para solução de conflitos.
O pensador do tema, ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça, coordena o grupo de trabalho do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para propor medidas e tornar a ação do Judiciário mais eficiente nos processos de recuperações e falências. Em seu entendimento, é preciso “achatar a curva” da demanda neste período de crise, o que pode ser alcançado por meio das mediações extrajudiciais.
A nova legislação tem potencial para, ao dar mais fôlego para as empresas, manter os empregos, a renda e a captação de impostos. O ministro, no entanto, pontuou que juízes deverão detectar as empresas que estão realmente em dificuldade e as que se aproveitam do momento de crise para descumprir contratos. Este é um fato relevante e que vem incomodando sobremaneira o fundamental setor do agronegócio do nosso Mato Grosso.
Considerando a nova legislação, magistrados devem redobrar a atenção com o intuito de evitar que empresários mal-intencionados tentem resolver as suas dívidas sem que tenham realmente a intenção de pagar seus dividendos. Ou, pretendendo utilizar do judiciário como forma de persuadir seus credores, prolongar dívidas, colher frutos de propriedades sem pagamentos daqueles que verdadeiramente promovem o subsídio financeiro do celeiro do Brasil.
Apesar da extensão do novo texto, a essência da lei continuou a mesma. As principais mudanças foram em relação a critérios e procedimentos que deram mais celeridade ao andamento e possibilidade de mais prazos a empresa devedora. Nesse cenário digno de um filme de ficção, as empresas que verdadeiramente agem com boa-fé, precisam e merecem mais fôlego e a conciliação e mediação ganham destaque.
*Flaviano Taques é advogado e administrador judicial em Mato Grosso.
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