Ódio com propósito Um ponto crucial de combate a este (des)governo, é aprender a lidar com seu ódio
Há, pelo menos, dois tipos de ódio. Aquele que é resultado das injustiças cometidas diante de nossos olhos, dia após dia, causado por aversão intensa a algum tipo de situação ou pessoa.
E há aquele movido apenas pelo rancor, pelo medo, pela falta de amor, disseminado para criar um caos que demanda muito nosso tempo, a ponto de encobrir aquilo que de fato importa.
Você pode não querer usar a palavra ódio – embora eu não compreenda essa mania esquisita de não dar nome aos bois – mas se você mora no Brasil e está passando, mesmo que dentro da sua bolha, por um terço do que a maioria da população tem passado nos últimos anos, deve estar sentido um pouco de ódio. Use qualquer outra palavra, nada conseguirá descrever melhor esse sentimento.
Mas se o seu problema não é apenas receio do termo, e inclui também alienação e a prática do outro tipo de ódio – aquele motivado pelo rancor e o medo – bem, o caso já é bem mais complicado. Devo dizer que não faz muito sentido temer usar a palavra ódio, porque não tem como substituir, e além disso, é injustificável. É um ódio sem propósito, entende? É ódio pelo ódio, mas a serviço de alguém, de alguns. Vamos chamar este tipo de rancor, para diferenciar.
É um ponto crucial de combate a este (des)governo, é hora de assumir e aprender a lidar com seu ódio
Voltando àqueles que têm receio apenas de dizer que sentem ódio, não se sintam mal, não se sintam culpados, não se sintam menos cristãos ou qualquer outra coisa que tentem impor a vocês. A raiva, a indignação, o ódio são os sentimentos que nos fazem dizer não ao que está posto, que nos fazem reagir, lutar. Estão tentando nos confundir, como sempre, quando afirmam que não se combate o mal com ódio – e aqui, me refiro ao ódio relacionado à aversão máxima às injustiças praticadas, claro!
Já passamos do limite do aceitável. Os que estão no poder, principalmente o presidente Bolsonaro e seus aliados, estão dando sinais do fim da democracia e rindo na nossa cara. Não é hora de dizer que a nossa democracia não é a ideal, a questão é que não há como melhorá-la se ela deixar de existir. É um ponto crucial de combate a este (des)governo, é hora de assumir e aprender a lidar com seu ódio, é o momento de canalizar toda essa raiva para o que realmente importa.
Nós sabemos que a situação piorou muito desde que Bolsonaro assumiu, sabemos que houve desmantelamento da educação (e isso não é a toa, é um projeto), sabemos que os casos de corrupção neste governo já desmentiram o falso discurso moralista que o elegeu, sabemos da alta do combustível, da falta de diplomacia perante os demais países, sabemos que por muito menos a Dilma Roussef caiu. Mas não bastou.
A pandemia da Covid-19 demonstrou o projeto genocida deste governo, que recusou inúmeras propostas de compra da vacina, que incentivou o uso de medicamentos sem comprovação científica, que deixou faltar oxigênio, que desdenhou de medidas preventivas, como o uso de máscaras, que estimulou e promoveu aglomerações. Mais de 470 mil mortes, desde maio de 2020 não estão sendo suficientes para um impeachment. Como não sentir ódio?
Eu não quero ter que esperar 2022 para tentar mudar algo, e é isso que os parlamentares precisam entender. O risco é muito grande, e não se pode jogar assim com quem é dominado pelo rancor, aquele ódio sem propósito. Mas, se tivermos que esperar, não coloque tudo em risco também nas urnas. O seu orgulho ferido, por desgosto com os erros do Partido dos Trabalhadores (PT), por exemplo, não vale isso. Não é sobre você, é sobre o nosso país, sobre milhares de irmãos e irmãs que voltaram a viver na extrema pobreza.
É um apelo. Ouça seu ódio, canalize para mudar o que está posto. Que seja pelo seu combustível, pelo seu feijão, pelo seu luto, pelo futuro do seu filho ou filha, pelo mínimo apreço à democracia. Ninguém tem o direito de dizer que você não pode odiar quem desdenha da vida todos os dias e promove o ódio rancoroso e sem propósito a todo momento, apenas para se manter no poder.
Nara Assis é jornalista.
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