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Opinião
Quinta - 22 de Julho de 2021 às 15:47
Por: Daniele Couto

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Vilipendiadas, usadas de fato como moedas de troca, as emendas parlamentares, ao contrário do que diz o senso comum, são um dos mais importantes instrumentos da população brasileira. Por meio delas, é que os recursos da União atendem a pleitos da sociedade que poderiam simplesmente ser deixados de lado pelo Orçamento Geral da União. Para que toda a sociedade ganhe com as emendas, o fundamental é que os critérios para sua liberação sejam cada vez mais republicanos.

Imagine dois municípios, separados por um rio, que tenham o desenvolvimento sendo historicamente atrasado pela falta de uma ponte. Por décadas, os moradores lutam por essa obra – isolada dos grandes projetos de desenvolvimento nacional. Finalmente, conseguem eleger um deputado para essa região. Essa ponte deverá ser prioritária para seu mandato. É uma dívida que ele tem com seus eleitores. As emendas precisam também ser entendidas por essa lógica. A saída com relação a elas passa, portanto, em torna-las cada vez menos sujeitas ao jogo da política menor. Devem ser vistas como uma conquista para o eleitor. O Congresso, inclusive, com idas e vindas, tem andado várias vezes na direção correta.

De acordo com a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 165, a emenda parlamentar é o instrumento que o congressista tem para participar da elaboração do orçamento anual. E é por meio das emendas que os parlamentares procuram aperfeiçoar a peça orçamentária encaminhada pelo Poder Executivo e ajudar suas bases eleitorais. Cabe, portanto, ao Congresso Nacional avaliar e ajustar a proposta do Poder Executivo. Pois, é neste momento que o parlamentar pode emendar ao projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), destinando recursos para uma ação específica de sua região.

A fim de tornar a execução orçamentária mais célere, e evitar o evidente descontentamento do parlamento e a frustação das bases eleitorais, o Congresso aprovou com ampla margem de votos a Emenda Constitucional (EC) 86/2015, conhecida como Orçamento Impositivo, que obriga o Executivo a pagar as emendas parlamentares. Até então, a efetivação ou não das emendas eram baseadas em decisões muitas vezes políticas.

Deste então, o que mudou com a aprovação do orçamento impositivo? A EC 86/2015 estabeleceu a vinculação das receitas para gastos com emendas parlamentares individuais no percentual de até 1,2% da receita corrente líquida do ano anterior, sendo que a metade deste percentual precisa ser destinado a ações e serviços públicos de Saúde.

O fato de o orçamento ter se tornado impositivo, em tese, até poderia terminar com as distorções do sistema, o chamado toma lá, dá cá. Ou seja, aqueles parlamentares que frente a uma votação importante para o governo federal só votam favoravelmente caso consigam a liberação de sua emenda.

Mas é necessário registrar que mesmo com o orçamento impositivo, nem todos os recursos destinados às emendas têm sido empenhados.

Curiosamente, apesar dos avanços, ao longo dos anos não foram empenhadas toda dotação prevista, ou seja, não se alcançou o limite mínimo de execução orçamentária e financeira imposto no art. 166 da Constituição Federal, conforme dados extraídos do SIAFI (Sistema de Administração Financeira).

Há, ainda, dificuldade de execução das emendas dentro do exercício de sua aprovação. Há várias razões para esses entraves, como por exemplo, a destinação de recursos para obras se os projetos estão devidamente aprovados, entre outras questões.

Mesmo assim, o aprimoramento da legislação foi na direção de tornar as emendas cada vez mais impositivas. As chamadas emendas de bancada, de um conjunto de parlamentares do mesmo estado, tiveram sua obrigatoriedade garantida pela Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2016 (referente a projetos de infraestruturas de grande vulto até R$ 4,8 bilhões), e, posteriormente com a EC 100/2019. Nesse caso, a mudança da lei foi mais efetiva, com valores empenhados cada vez mais próximos do 100% da dotação (conforme a tabela abaixo).

Mas é preciso registrar, infelizmente, que também tem havido retrocesso na questão. Em maio de 2021 o jornal O Estado de S. Paulo publicou uma série de reportagens sobre o chamado orçamento secreto, expressão originada da nova modalidade de emendas apresentadas pelo relator-geral à Lei Orçamentária Anual (LOA 2020 -Lei 13.978/2020).

Naquele ano, a situação de Saúde Pública causada pela pandemia da Covid-19 impossibilitou a votação do PLN 4/2020, que daria ao relator o poder de priorizar e indicar os beneficiários de suas emendas marcadas com RP 9. Na prática, o relator poderia determinar quais emendas deveriam ou não ser de fato executadas.

A Resolução do Congresso Nacional nº1/2006 possibilita ao relator-geral o poder de apresentar emendas somente para correção de erros e omissões da proposta, assim como recompor despesas canceladas, limitada a recomposição ao montante originalmente proposto no projeto, e acrescer ou inserir novas programações, conforme especificações do parecer preliminar previsto no art. 52, II.

E a tal responsabilidade do relator? Como se sabe o relator-geral é quem assina formalmente as emendas e a distribui de forma genérica, sem identificação do legítimo autor, e sem definir critérios objetivos na distribuição dos recursos.

O texto aprovado da Lei Orçamentária Anual de 2021 autorizou as emendas de relator com indicador RP9, e a prerrogativa para priorizar e indicar os beneficiários. Diferente da Lei de Diretrizes Orçamentária vigente, o projeto do Executivo não previu a classificação das emendas de comissão e de relator geral, classificados na LDO 2021 respectivamente com os indicadores RP8 e RP9. Entretanto, o relator retomou a redação vigente para inserir os RPs 8 e 9 em seu substitutivo.

Com margem estreita, o Congresso aprovou o substitutivo do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2022, mantendo as chamadas emendas de relator, que deverá ser enviado ao Congresso pelo governo em agosto¹ — podendo remanejar verbas de ministérios para projetos indicados por parlamentares.

Dessa forma, direcionados politicamente, foram liberados este ano de 2021, R$3 bilhões de uma dotação de R$16 bilhões, superando assim as emendas individuais e de bancada dos últimos anos. Esse valor só não continuou crescendo porque o governo se sentiu acuado e sem ter como executar as despesas obrigatórias, como salários e benefícios da Previdência.

Pressionado, o presidente vetou R$10,5 bilhões das emendas de relator, inicialmente previstas em de R$26,5 bilhões. Mas, todo o processo foi um péssimo sinal para quem busca negociações mais republicanas no trato com emendas.

Ao final, como um todo, em meio aos passos para frente e para trás, tem havido avanços no sentido de tornar as emendas de fatos impositivas. É uma evolução que permite ganhos a todos. Evita-se a desgastante barganha política em torno de liberação de obras e ao mesmo tempo, na ponta do processo, a população ganha com melhorias em seus municípios. Afinal, o motivo fundamental pelo qual aquele parlamentar foi eleito, na convicção de seus votantes, é a construção da hipotética ponte garantida por uma emenda constitucional.

Esse tipo de aspiração, local, precisa também ser levada em conta para quem analisa globalmente o quadro político brasileiro, sem descartar a importância fundamental das demais discussões que ocorrem no Congresso. Por outro lado, artifícios recentes fizeram renascer a possibilidade de toma lá, dá cá. Devem ser prontamente condenados. O que se precisa, nas questões fundamentais das emendas parlamentares é: responsabilidade e vigilância.

*Daniele Couto é servidora do Senado Federal, assessora em orçamento e aluna de Pós-Graduação em Orçamento Público pelo ILB do Senado



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