Sob o signo da opressão Mundo é grande e tem lugar para todos se estabelecer com dignidade
Eu sempre tentei interpretar as pessoas pelos olhos. Nem sempre consigo, mas às vezes eu acerto. Sempre me intrigou os olhos tristes, silenciosos, enigmáticos e resignados.
Eles me dizem alguma coisa que eu tento decifrar. Ao longo da vida, eu encontrei estes olhos em algumas pessoas negras a revelar: eu fui, sou e continuo escravo.
Este mesmo olhar eu encontro nos olhos amendoados dos nossos índios e das mulheres venezuelanas que estão no percurso da minha casa para o trabalho, a suplicar por uma ajuda.
Os negros viviam livres na África, onde foram preados e trazidos para cá, à força. E aqui continuam, até hoje, subjugados por uma estrutura insensível, cruel, preconceituosa e supremacista que os tem como seres inferiores. Enfim, continuam cativos!
Os índios que não se submeteram à escravidão tiveram os seus direitos suprimidos de forma desumana e cruel. Usou-se, na América inteira, da força das armas, da religião e da aguardente para torna-los dóceis, a fim de lhes tomar suas terras e segrega-los em aldeias e parques nacionais, onde não lhes dão paz os garimpeiros, madeireiros e aproveitadores de toda ordem.
E os que não foram albergados por estes lugares vagam por este mundo de meu Deus. Enfim, prevaleceu a lógica do ganancioso, descriminalizador e escravocrata colonizador.
Prega-se que é preciso aumentar a produção. E nesse desiderato, omitiu-se o vazio de milhões de hectares de terras degradadas e invadem, e derrubam sem dó e nem compaixão florestas inteiras para respaldar o lucro fácil da usura na venda de madeira.
E falta de compromisso de garimpeiros e aproveitadores de costas largas, fazem incursões no que resta das terras indígenas e sentou praça no Governo Federal, sob o pretexto infame de que a boiada tem que ser apressada, pois as árvores centenárias devem ser abatidas imediatamente, sem dó em nem piedade, para que triunfem interesses duvidosos.
Enfim, é uma cruzada da degradação que o clamor internacional tenta frear.
Se a floresta é nossa devemos fazer dela o que quisermos como se o País não fosse parte do mundo. É esta a mesma lógica do machismo: se a mulher é minha eu faço dela o que quiser, pois ninguém tem nada com isto! Na minha casa mando eu e ponto final! E aí as mulheres passaram a ser saco de pancadas de um machismo absurdo!
Os olhos amendoados dos venezuelanos que vagam pelas nossas praças e ruas são os mesmos olhos do abandono e do medo dos negros e dos indígenas brasileiros que eram donos de tudo e, ora, segregados, são vítimas de uma cruel hostilidade, a perder o que lhes resta das terras de seus ancestrais.
O mundo é grande, generoso e tem lugar para todo vivente se estabelecer com dignidade. Entretanto, a insensibilidade, a discriminação, a avidez e a falta de compromisso dos senhores do mundo subiram ao trono e não tem data marcada para abdicar do mando.
Ressalte, por fim, que a degradação continua a avançar a passos largos, pois a imprensa denuncia o aumento da degradação com a derrubada diária de milhares de hectares de florestas que tombam ante o avanço impiedoso da motosserra.
Renato Gomes Nery é advogado.
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