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Opinião
Quinta - 26 de Setembro de 2013 às 15:50
Por: Guilherme Mussi

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Dois estudos divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2013 sobre armas de fogo no Brasil apresentam, abertamente, o interesse do órgão em subsidiar a Política de Desarmamento do governo federal, mesmo que estes estudos tenham graves falhas de metodologia. O estudo “Mapa das Armas de Fogo nas Microrregiões Brasileiras” e o “Impactos do Estatuto do Desarmamento Sobre a Demanda Pessoal de Arma de Fogo” são exemplos claros de dados meticulosamente manipulados para tentar provar a tese de que o número de armas de fogo tem relação objetiva com o índice de homicídios.
 
 
 
 
O esforço conceitual para atrelar o número de homicídios à posse de arma de fogo tem sido a principal atividade do órgão, em seus estudos sobre segurança pública. Durante a apresentação do Mapa das Armas de Fogo nas Microrregiões Brasileiras, no Rio de Janeiro, Daniel Cerqueira, diretor de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia (Diest/Ipea), afirmou, categoricamente, que “a taxa de homicídio no Brasil é de 26 por cem mil habitantes, porém esse número poderia estar em torno de 13, não fosse a corrida armamentista dos anos 90”. Conforme o órgão, maior controle, menor número de homicídios. Não foi o que aconteceu, tendo, ao contrário, apresentado crescimento de 29,3% entre 2000 e 2010, em relação a 1999 a 2000. Os dados são do Mapa da Violência 2013, editado pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino Americanos (Cebela).
 
 
 
 
Poderíamos acreditar que o número absoluto de homicídios teria drástica redução caso o controle de armas fosse intenso na década de 90. Entretanto, não foi o que demonstrou o jornal britânico The Guardian, em um mapa sobre a posse de armas por cidadãos x criminalidade, em todo mundo. No Brasil, há oito armas de fogo para cada 100 pessoas. No mesmo período foram registrados 18,1 homicídios por arma de fogo em 100 mil habitantes. Na Argentina, são 10,2 armas para cada 100 habitantes, com índice de 3,2 homicídios por 100 mil pessoas. Caso mais emblemático é o do Uruguai. O país registrou, em 2012, 31,8 armas por 100 pessoas, mas seus índices de homicídios registraram apenas 2,8 por 100 mil habitantes.
 
 


 
O erro metodológico, posteriormente, foi minimizado, em uma avaliação mais realista. Já no primeiro estudo, citado anteriormente, o Ipea afirma: “primeiro, porque a criminalidade é um fenômeno complexo e multidimensional e não pode ser relacionado de forma simplória a uma única variável explicativa”. A questão é de óbvia contradição.
 
 
 
 
Outra questão relevante e que merece esclarecimento é o fato dos dados estatísticos sobre a distribuição e prevalência de armas de fogo presentes no primeiro estudo do Ipea serem retirados do SIM/Datasus. A prevalência das armas de fogo no Brasil é controlada pelo Sistema Nacional de Armas (Sinarm), da Polícia Federal, sendo esse o único órgão com essa competência. Já o SIM/Datasus é o sistema do Ministério da Saúde que armazena dados de mortes registradas na rede pública.
 
 
 
 
Um argumento ainda mais tendencioso está na relação dos suicídios com a prevalência de armas de fogo, demonstrada no primeiro estudo. Os dados foram resignados para forjar uma mensagem. Dado isso, o Ipea correlacionou a probabilidade de cometer suicídio com a prevalência de armas, desconsiderando, veementemente, a posição do suicídio como um fato social, o qual não seria possível fora da sociedade, seja qual for os meios que levam o indivíduo a cometer suicídio. Essa é uma típica apropriação de um fato social privado pelo poder político.
 
 
 
 
No segundo estudo, “Impactos do Estatuto do Desarmamento Sobre a Demanda Pessoal de Arma de Fogo”, o Ipea afirma que a compra de arma de fogo por pessoa caiu 40,6% após o Estatuto do Desarmamento. O dado pode ser confrontado com a informação contida no estudo do Cebela, “se, no início de nossa série histórica, os homicídios representavam, em média, aproximadamente 70% do total de mortes por armas de fogo, a partir de 1992 começa uma íngreme escalada até 1997... Já em 2010 os homicídios chegam a representar a quase totalidade das mortes por armas de fogo (94,6%)”. As informações mostram a falta de eficiência no Estatuto do Desarmamento, mais um indício de que ele não atingiu os objetivos que pretendeu.


 
 
 
Apesar de ser categórico em suas afirmações, o próprio Ipea mostra-se preocupado com a falta de assertividade das suas pesquisas. No segundo estudo, há uma citação que merece ficar reservada. O órgão conclui que “uma parte das dificuldades brasileiras está na escassez de bases de informações confiáveis no tema, dado o caráter ilegal de boa parte do comércio de armas”. Logo depois o Ipea assume: “resta-nos usar aproximações indiretas como aquelas obtidas através de dados de suicídio cometidos com armas de fogo”.


 
 
 
Outro erro de base instrumental prejudica a credibilidade da pesquisa. O Ipea considerou a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), coordenada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio da qual as pessoas declaram, sob promessa de sigilo, se compraram nos últimos anos armas de fogo e o valor. O método é inadequado, já que há motivações para que essas informações não sejam claras, por motivo de imprecisão (memória), medo de represália das forças policiais, entre outros.
 
 
 
 
Segundo a pesquisa, nos 12 meses anteriores a junho de 2013 foram 56,9 mil pessoas que compraram armas de fogo. Entretanto, esse dado é desmentido pela própria pesquisa. O órgão declara que a POF em análise data de 2008 a 2009, sendo impossível ter dados referentes a 2013. Não paramos por ai. O Ipea diz que o número cai para “37 mil seis anos depois”. É claro que não há possibilidade de verificar esse coeficiente no ano de 2019, por motivos óbvios. Trata-se não só de um erro ortográfico, mas uma manipulação, que abala a credibilidade do estudo.
 
 
 
 
A incompatibilidade mostra-se ainda mais evidente. O Ipea afirma que “a parcela da população com mais de 10 anos de idade que efetuou a compra de armas no trimestre anterior a pesquisa cai de 0,0397% para 0,0236%, em 2009, correspondendo a uma queda por pessoa de 40,6% observada no período depois da promulgação do Estatuto do Desarmamento. Ora, pela Lei nº 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento), apenas maiores de 25 anos podem comprar e registrar armas, ainda assim quando há pré-requisitos legais respeitados. Esse controle é feito pela própria Polícia Federal. Sendo improvável uma criança de dez anos poder comprar uma arma de fogo, no atual arcabouço jurídico em vigor.
 
 


 
Prestados os esclarecimentos elementares, considerando que outras contradições não foram citadas, entendemos que as pesquisas não representam a realidade e, tão pouco, tem um compromisso sério com a análise do tema. Um órgão que se vale da missão de instruir o conhecimento pela metodologia científica não pode favorecer bases ideológicas para construção de um discurso. Entretanto, essa molduração dos dados parece não surtir efeito na sociedade, que legitimou seu direito de comprar armas de fogo no Referendo de 2005. Prova disso é que temos acompanhado, diariamente, manifestações públicas contrárias ao Estatuto.
 
 
 
 
 
*Guilherme Mussi é deputado federal pelo Partido Progressista (PP) de São Paulo.


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