Passando boiada na Mata Atlântica “Passar a boiada” tornou-se, no Brasil, sinônimo de agressões ao meio ambiente
“Passar a boiada” tornou-se, no Brasil, sinônimo de agressões ao meio ambiente. Semana passada, assistimos mais uma boiada a caminho da destruição florestal, quando o Ministério da Economia anunciou que recebeu de empresários do agronegócio algumas sugestões a serem implementadas visando o desenvolvimento agroindustrial do País.
Então vejamos! Entre as “pérolas” propostas havia algumas sugestões que mais parecem urdidas pelas mentes do próprio ministério, já que acentuavam despudoradamente a flexibilização das regras que dificultam a destruição da Mata Atlântica. Mais do que isso, propunha que se os projetos não fossem aprovados em prazo estipulado pelos “empresários”, segundo o Ministério da Economia, eles seriam aprovados automaticamente por decurso de prazo, uma excrecência da legislação imposta pela ditadura.
Desculpe-me, senhor Ministro, mas nenhum empresário, mesmo os que ainda trabalham com enxada e machado, não pensariam em tamanha imoralidade como essa.
Certamente essas ideias foram pensadas, gestadas e paridas das cabeças dos “pensadores” da Escola de Chicago, encastelados nesse ministério.
As teorias dessa Escola deram suporte a administração econômica da ditadura de um velho conhecido de todos nós, o General Pinochet. Também tem como foco, não o desenvolvimento do povo e da Nação, mas da economia, entronizada como razão de ser da existência do Estado. Algo que capitalismo de estado prioriza, a saúde da economia, não a saúde das pessoas. Pessoas são apenas detalhes.
Assim, de pouco a pouco, o desejo insano e desumano dessa economia exclusiva de uma parte do empresariado, capitaneada pelo tal Ministério da Economia, que de mega store transformou-se em uma “loginia” ¬de 1,99. Por essa razão, esforça-se a todo custo para se manter em evidência diante do capitão caverna.
Para garantir a sua sobrevivência no comando capenga que ainda tem, segue os passos daquele outro ministro do desmatamento, querendo “passar a boiada” pelo que ainda resta da Mata Atlântica, sem sequer imaginar que isso significaria, não só uma catástrofe ambiental, como também a possibilidade de sequestrar das gerações futuras a possibilidade de uma vida minimamente saudável.
Essa proposta jamais levaria o Brasil a um desenvolvimento minimamente aceitável, porque está na contramão do que o mundo desenvolvido pratica atualmente. Nenhum país da Europa, ou de qualquer outro lugar do Planeta compraria commodities de um lugar onde as menores noções de sustentabilidade não são respeitadas.
Já não é de hoje que a União Europeia e os Estados Unidos recusam a comprar produtos cuja origem é suspeita ou não seguem normas de conformidades eticamente aceitáveis. Recentemente tivemos o exemplo da devolução de madeiras exportadas para os Estados Unidos, além de abertura de processo, por se tratar de madeiras cujos documentos de exportação eram fraudados, como anuência do ministro do desmatamento.
O Brasil pensa pela cabeça dos políticos, ideologicamente comprometidos com o ‘venha a nós’, além de despreparados para ver a Nação em perspectivas que produzam um bem estar geral, não ao que temos assistidos nos últimos anos. Não temos e, ao que penso, poucas vezes tivemos um estadista no comando do Brasil. Em vez de uma democracia em seu melhor sentido, temos uma poliarquia, onde os interesses de grupos são atendidos, em detrimento daquilo que significa democracia, um governo de todos para todos.
A sociologia já explicou isso muitas vezes, que nenhum governante detêm o poder próximo do absoluto, algo que o suserano que (des)governa este país tenta passar como se mandasse alguma coisa. O “quem manda sou eu” não passa de uma bravata de alguém que é puxado pelo cabresto pelos grupos de pressão, onde o tal ‘centrão’ se destaca como o mais poderoso. Ainda se vê refém de seus apoiadores e de um astrólogo que rejeitou a própria pátria mãe para viver fora do Brasil.
Enquanto o mundo se debruça com muita força na solução de problemas decorrentes das degradações ambientais, o governo brasileiro pratica um haraquíri com um punhal cego como os olhos dos mandatários.
Dolosamente condenam as gerações futuras a toda sorte de problemas decorrentes de questões ambientais, como secas, que são causadas por mudanças nos regimes de chuvas, que por sua vez são provocadas pelos desmatamentos, queimadas, implantações de projetos em áreas não aconselháveis e outras tantas idiossincrasias do poder público.
Assim, as crises hídricas, os apagões, as colossais hidrelétricas que passam a funcionar com capacidade mínima por causa das secas, denotam que o planejamento estratégico brasileiro não se preocupa com o futuro, pois a concentração de megaempreendimentos encarecem a distribuição da energia elétrica, além de produzirem incomensuráveis prejuízos ambientais.
A mania de “pensar grande’ pode ocultar algo que é escamoteado do conhecimento público, quanto maior a obra, maior será, também, a possibilidade do sobrepreço gerador de propina, já que torna o controle muito mais difícil.
Assim, a cada boiada que passa, o patrimônio natural brasileiro vai sendo dilapidado sem nenhuma preocupação com o fato de que estamos perdendo milhares de espécies animais e vegetais e comprometendo o nosso futuro comum.
Sob a cândida desculpa de promover o desenvolvimento, algo que soa mais como um álibi, o governo, acolitado por um congresso nacional, o mais despreparado e predador de nossa história, destrói lenta e gradativamente todo o aparato jurídico institucional que garante minimamente a existência da Floresta Amazônica, do Cerrado e do Pantanal, sem falar do Pampa Gaúcho.
O que será deixado às gerações futuras? Será que os políticos são estéreis, não se reproduzem como seres vivos, ou só conseguem reproduzir a própria fortuna de origem obscura? Muitas crianças não têm a oportunidade de conhecer uma ipê florido, o colorido das campinas na primavera, nem ouvir o canto do sabiá laranjeira. Tudo porque quem decide o que será feito, tem o defeito de não saber a diferença entre um pé de couve e um abacate.
E nesse disparate, o Brasil abate a cada dia, um bioma ou parte dele, para satisfazer o desatino de autoridades desprovidas de qualquer sentimento ou piedade.
E a Nação se destrói no dia a dia, sem perceber a agonia desmedida de tanta gente tão sofrida, que passa fome e tem desnutrição, enquanto os nababos se empanturram em convescotes suntuosos, pagos com recursos criminosos que são roubados do povo brasileiro.
E a boiada vai passando, como na canção de Gilberto Gil, ‘como cobra se arrastando pelo chão’, enquanto, de costas para esta Nação, o governo come pizza na calçada, envergonhando pela triste condição de ser um pária mundial e de espalhar o vírus pelo mundo.
Até quando, minha gente, essa boiada irá passar?
José Pedro Rodrigues Gonçalves é doutor em Ciências Humanas.
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