O manicômio legislativo É impossível que cidadão conheça o ordenamento jurídico por inteiro
Ninguém sabe, ao certo, quantas leis existem no Brasil. Há quem garanta que só no âmbito federal são mais de 180 mil normas.
São mais de 10.204 leis ordinárias, 105 leis complementares, 5.834 medidas provisórias, 13 leis delegadas, 11.680 decretos-leis, 322 decretos do governo e 5.840 decretos do Poder Legislativo. Hoje e a cada dia os números se modificam porque são editadas e aprovadas várias normas diariamente.
O mais curioso é que a Lei de Introdução às Normas do Direito estabelece que ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.
De fato é impossível que qualquer cidadão brasileiro, por mais afeito às leis, ou o mais letrado jurista, conheça o nosso ordenamento jurídico por inteiro, incluindo as normas estaduais e municipais.
Nesse sentido, venho defendendo que a regra de presunção de conhecimento das leis é, hodiernamente, de duvidosa constitucionalidade, justamente por não ser razoável que o cidadão tenha conhecimento de todas.
É impossível que cidadão conheça o ordenamento jurídico por inteiro
A questão não é apenas ter o singelo conhecimento das leis, mas sim conseguir interpretá-las e entender quanto a sua existência, validade, vigência e eficácia.
Como exemplo prático de tal complexidade, já mencionei em outros artigos que a instituição ou majoração de tributo, em regra, apenas pode gerar efeitos no exercício posterior à data da publicação da respectiva lei, assim denominada como Princípio da Anterioridade.
Portanto, se uma lei que instituiu um tributo foi publicada no ano de 1999, apenas poderá gerar efeitos no ano de 2000, tudo de acordo com o plano da eficácia da norma.
Assim, noticiei que em 1998 foi sancionada a nova Lei do ICMS no âmbito do Estado de Mato Grosso, fazendo constar ao longo de seu texto que está revogada toda a legislação anterior que dava respaldo legal à cobrança do aludido tributo.
Ocorre que por um erro operacional, a nova Lei apenas veio a ser publicada na Imprensa Oficial do Estado em Janeiro de 1999, até porque naquela época não havia ainda a publicação eletrônica.
Então, como o Princípio da Anterioridade previsto na Constituição Federal apenas trata dos efeitos na norma e não da sua vigência ou validade, a revogação da legislação antiga estava plenamente válida.
Quer dizer, a nova Lei do ICMS estava em vigor em 1999, mas de acordo com a referida regra constitucional, o ICMS apenas poderia ser exigido no ano seguinte, quer dizer no ano 2000.
Mas e a lei antiga? Ora, a lei antiga como mencionado foi revogada pela nova lei, não podendo assim, gerar efeitos em 1999, concluindo-se, portanto, que ninguém poderia ter pago ICMS no ano de 1999!
Do único exemplo mencionado denota-se que o desafio não é apenas o cidadão conhecer todas as leis, decretos e assim por diante, mas sim saber interpretá-las e entender sobre seus alcances.
E justamente para tratar de todos esses aspectos práticos, incluindo as decisões do Supremo Tribunal Federal que declaram a inconstitucionalidade de lei, retirando-lhe a sua validade, mas mesmo assim em alguns casos, permitindo que a mesma gere efeitos, é que resolvi estudar o assunto e escrever um livro que recentemente intitulei de “Existência, Validade, Vigência e Eficácia da Norma Jurídica”.
O fato é que a cada julgamento proferido pelo STF resulta em mais exemplos que merecem o aprofundamento teórico sobre o tema.
Sendo assim, o grande desafio é justamente o cidadão saber conviver com tantas nuances decorrentes da aplicação e interpretação das leis, hipótese que ironicamente podemos chamar de um verdadeiro manicômio legislativo.
Victor Humberto Maizman é advogado e consultor jurídico tributário.
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