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Opinião
Terça - 01 de Fevereiro de 2022 às 10:32
Por: Gonçalo Antunes de Barros Neto

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Vivemos em um mundo onde a solidariedade é alçada a princípio universal, a uma condição sem a qual a vida neste mundo se torna insuportável. São metas de alteridade? Forma de agir? Propósito de vida? Aliás, no dia 31 de janeiro é comemorado no Brasil o “Dia da Solidariedade”.

Em período pandêmico, a solidariedade tem seu espaço ímpar e primordial. O isolamento social, com o fechamento de muitos pontos comerciais e empresariais, a doação de si torna-se uma realidade.

Sempre é bom repetir que a solidariedade, mais do que um substantivo, é um compromisso entre seres humanos. Quantas vaquinhas, rifas e cestas básicas foram pedidas e doadas? Em casa, quando o famigerado vírus tomou conta de todos, quanto amor e solidariedade nos cuidados foram precisos? Nos hospitais, mais que profissionais da saúde, encontrou-se pessoas altamente solidárias. A pandemia, com todo o seu lado tenebroso, mostrou que ser solidário ou solidária é saber compartilhar problemas com o próximo, auxiliando-se mutuamente, desaguando na melhor natureza dos seres humanos. Pequenos gestos são gigantes em tempos tais. A solidariedade deu algum sentido à vida, a COVID-19, neste particular, é quem foi surpreendida.

Émile Durkheim afirmou que a solidariedade é a aquela que garante a coesão social, fazendo com que os indivíduos se sintam parte de determinado grupo

Émile Durkheim afirmou que a solidariedade é a aquela que garante a coesão social, fazendo com que os indivíduos se sintam parte de determinado grupo. Na imprescindível obra “Divisão social do trabalho”, o sociólogo faz a divisão entre a solidariedade mecânica e orgânica. A primeira, em período mais distante, era visível entre pessoas que desempenhavam a mesma função na tarefa da produção e, como elas desenvolvem a mesma função, acabam ficando independente umas das outras. A coesão social acaba sendo enxergada pela tradição, pela moral e pelo costume. As tradições ditam as regras.

Na segunda, a orgânica, com o modo de produção capitalista, a espacialização é realidade. Tem-se uma dependência maior entre as pessoas, porquanto, cada qual tem a sua função. O direito ganha valor na complexa compreensão da garantia. A coesão social é vislumbrada justamente nessa interdependência.

No feminismo a solidariedade é ditada de sororidade, de sóror, que no latim significa irmãs. A ideia entre as mulheres é que da irmandade surja a solidariedade, importante para que umas se apoiem nas outras. Esse apoio é a conquista da liberdade e igualdade buscada como ideia central do ideal. Não é preciso, por exemplo, passar por uma violência para sentir a dor da “outra”, ouvir e ajudar sem qualquer lastro de julgamento.

Em total descalabro e desencontro com o princípio de solidariedade, o mundo presenciou a triste morte do fotógrafo René Robert, aos 84 anos, no dia 19 de janeiro, em uma rua de Paris, de hipotermia.

Segundo o jornal El Pais, René ficou sem receber ajuda por aproximadamente 9 horas em total agonia, sendo o óbito declarado “por frio”. Ele saiu de casa para ir até a Praça da República e passou mal antes de chegar ao destino, ficando sozinho, largado, na rua, caído, sem qualquer ajuda. Quando os bombeiros chegaram, chamados por um “sem teto”, apenas constataram a morte por hipotermia. Em desabafo, o amigo do fotógrafo, Michel Mompontet, afirmou que ele morreu de “indiferença” das pessoas. Ninguém parou para ver o que estava acontecendo com um idoso caído no chão.

René, que era especialista em lindíssimas fotos flamencas, teve o seu corpo abandonado, à vista de todos, em cena paradoxal com as que costumava eternizar. A curiosidade disso tudo é que o vernáculo advém do francês - de “solidarité” -.

Nas palavras ou em ações, a solidariedade é enxergada como algo bom e que faz o bem. É um compromisso pessoal de se “obrigar” a agir sem nada esperar em troca. No Brasil é comemorada no mês de janeiro, neste dia 31, justamente no mês em que o povo do país da Igualdade, Fraternidade e Liberdade a fez “pequena” na morte de René.

É por aí...

Gonçalo Antunes de Barros Neto é professor de Filosofia e magistrado



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