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Opinião
Quinta - 02 de Junho de 2022 às 06:54
Por: Raul Tibaldi

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Nunca mais foi a mesma quando a sempre tão ágil Clarice foi mais lenta que o carro que a deixou sem vida. Sentiu um buraco no peito quando Marília se acidentou fatalmente naquela viagem.

Apesar de não ter conhecido José pessoalmente, um pedaço de si mesma se perdeu para sempre quando o coração dele silenciou. Depois da partida de João e Maria, também se perguntou o que faria a partir de então. Assim como o fez quando Janaína não resistiu àquela operação.

Mas Clarice era só um gato. Marília, Mendonça. José, um feto que poderia ser simplesmente substituído em outra gravidez. João e Maria, dois filhos finalmente saindo da casa da mãe. Janaína, apenas mais uma paciente.

Esses são alguns exemplos de perdas que nos fazem experimentar o chamado luto não autorizado ou não reconhecido. Como o próprio nome indica, são processos de luto que muito frequentemente não encontram legitimação social. Isto é, elas são minimizadas ou desconsideradas por outras pessoas, como se não justificassem o sofrimento que possam ter provocado.


Por isso, enlutados nessas situações dificilmente encontram alguns dos elementos importantes para sua adaptação: compreensão e validação. Sem o devido suporte social, fica difícil encontrar espaços para falar aberta ou repetidamente sobre a perda, tirar alguns dias de licença do trabalho ou sentir-se à vontade para realizar algum tipo de ritual público que ajude na integração da perda.

O modo como lidamos com perdas depende, além de variados fatores pessoais e socioculturais, do tipo de vínculo que foi rompido e o que ele representava para quem vive esse rompimento. As consequências de um luto, seja por morte ou não, podem representar um sofrimento não apenas pela perda principal, mas também pelas eventuais perdas secundárias, simbólicas ou inconscientes, tais como a de uma fonte única de apoio emocional, de projetos de vida e de aspectos da própria identidade.

Nesse sentido, quando o suporte de amigos, familiares ou pessoas com quem convivemos fracassa, é possível recorrer a grupos específicos de apoio a enlutados ou à ajuda especializada de um psicólogo, a fim de encontrar um espaço seguro e compassivo de expressão e exploração dessas e de outras questões ligadas à perda. Afinal, onde há perda de vínculo, há luto. E nenhum luto é menor ou mais importante que o outro.

Raul Tibaldi é psicólogo clínico com aprofundamento em intervenções em situações de perdas.



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