RUI PERDIGÃO
Nunca é demais É preciso reverter esse quadro que dizem ser genético, mas não é
A minha editora chefe considerou este artigo fora de tempo. Entendeu-o mais oportuno se escrito durante a campanha eleitoral.
Discordei e desta vez a minha opinião prevaleceu, contrariamente a outras vezes em que os artigos ficam pairando nas nuvens, por alegado grau de complexidade ou perigosidade, ou por evidente parcialidade ou excessivo escárnio. Independentemente disso, considero que falar de ética e integridade nunca é demais.
Talvez seja até mais importante falar sobre isso a dias da tomada de posse de inúmeros eleitos para o exercício de importantes funções no poder público.
Deixando para outros as discussões filosóficas sobre a ética e a integridade, facto é que parece existir na sociedade brasileira a percepção de uma falta generalizada de ética e integridade na política.
O que a ser verdade, coloca a necessidade de se realizar estudos que observem o nível de eficácia dos órgãos da transparência, dos tribunais eleitorais e de contas, dos legislativos e demais entidades com responsabilidades na regulação e fiscalização da ética e da integridade na política e na sociedade brasileira.
No entanto, essa percepção parece existir somente sobre a corrupção, propriamente dita, e não se alinhar de igual modo com outras condutas, como o recebimento de vantagens, a ingerência na administração pública, a pessoalização da coisa comum, a má conduta pregressa, recorrente e impune de agentes públicos, o branqueamento de capitais e a evasão fiscal só possível pela má supervisão das atividades econômicas por parte de um estado facilitador de clientelismo e protecionismo político.
Várias práticas ruins que dia após dia vão destruindo a credibilidade das instituições e a autenticidade da democracia. Obviamente que a atividade política nunca conseguirá sair ilesa disso.
Sabemos que a ausência de ética e integridade no processo político, não só faz o ladrão, como pavimenta a estrada para populismos que retiram dos mais incautos o foco nas prementes necessidades que se tem em se corrigir os enormes déficits existentes num vasto conjunto de políticas públicas de base.
As pautas ambientais, de desigualdade, de educação, saúde, segurança, e tantas outras que se quer abraçar, dificilmente apresentarão resultados decentes se a vontade política se mantiver como está.
É preciso reverter esse quadro que dizem ser genético, mas não é. O Brasil precisa jogar no lixo o álbum das figurinhas profetas da desgraça e parar de normalizar essa situação, papagueando ao vento que todos são corruptos. Não são e subestimar a força e o poder da sociedade civil é uma terapia de castração.
Tenho para mim que um grande problema não se resolve com uma grande medida, tipo uma “lava jato”, ou um salvador da pátria, resolve-se sim com um conjunto de medidas articuladas coerentemente entre si.
E como aprendi, entendo que tudo pode começar a ser construído no caminho de casa para a escola. Com um jornalismo sério e livre no seu papel fundamental de estimulo ao pensar cidadão e com um poder público que prime pela transparência, possível de escrutínio, acredito que com o tempo e o devido rigor, muitos e melhores resultados obter-se-ão em benefício do país e das pessoas.
Desenvolvendo-se uma cultura de boas práticas e integridade, assumida por cada um de nós, de cima para baixo, da esquerda para a direita e de dentro para fora, junto com os partidos a assumirem-se auto regulatórios da sua ética e integridade, penso até que bons resultados surgirão em apenas uma década.
Não sou ingênuo, sei que o pior são só algumas pessoas, provavelmente muitas, erradas em certos lugares, mas também sei que não somos todos rêmoras. Recorrentemente fico-me perguntando se só conseguiremos partilhar em comum uma brincadeira de bola.
Rui Perdigão é administrador, geógrafo, presidente da Associação Cultural Portugueses de Mato Grosso.
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