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Opinião
Sábado - 31 de Dezembro de 2022 às 08:42
Por: PAULO WAGNER

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Não serei mais devorado pelos dias sem solver a intensidade dos momentos, o aroma da hortelã na xícara de chá da manhã. Reaprenderei a ver o mundo com olhos de surpresa e atenção aos pequenos gestos carregados de encantamento e eternidade.

Não deixarei que tudo se perca na repetição mecânica dos filmes mentais de preocupação e sofrimento que carregam a vida para longe do agora.

Escutarei o falar das pessoas, atenciosamente, com a compaixão de saber que elas acreditam em sua própria verdade e têm uma maneira peculiar de ver e sentir o mundo, com as marcas adquiridas ao longo das veredas e caminhos que atravessaram. Mas, nem por isso, serei complacente com palavras que ferem a dignidade humana, com discursos de ódio e extremismo que ofendem a igualdade de direito das pessoas e alimentam o preconceito, a violência e a intolerância.

Buscarei ver as pessoas além dos véus do obscurecimento e da ignorância que podem carregar, percebendo dentro delas as sementes do amor, do bem e da solidariedade. Mesmo que estas sementes estejam adormecidas, mesmo que estas sementes possam apodrecer antes de contemplarem a luz do sol e da lua, caso não sejam regadas e cultivadas a tempo.

Não levarei a vida tão a sério a ponto de não perceber a transitoriedade de tudo quanto há e o desequilíbrio que existe nos extremos. Descobrirei a medida certa das coisas, o caminho do meio entre a pressa e a lentidão, entre o receio e a coragem. Não serei emocionalmente meloso e nem racionalmente frio. Caminharei sabendo que o peso emocional depositado nos acontecimentos e a maneira repetitiva de olhar o mundo e as pessoas podem escurecer ou clarear o coração.

Não serei mais devorado pelos dias quando reconhecer que o hoje é sempre melhor que o ontem. Quando aprender que ser maleável, como a água atravessando rios pedregosos, pode trazer sabedoria e resiliência para seguir em frente. Assim, sentirei a completude de tudo que foi alcançado, a sabedoria do tempo vivido, sem perder, no entanto, a perspectiva de novos horizonte e desafios.

Saberei que o fim de um ciclo traz a marca simbólica do recomeço, saberei que na impermanência de tudo ao redor, há coisas que perduram, como a certeza que acima de verbos como ter, conhecer e conquistar está o verbo amar. Chave para desvendar a ciência de um viver mais autêntico, chave para alcançar a plenitude e a transcendência.

Não serei mais devorado pelos dias quando reconhecer que além da dor e da alegria de existir, nesta dobra cósmica de realidade, está a gratidão pela oportunidade do aqui e agora, como alguém que emergiu do fundo do oceano e encontrou uma boia para chegar à praia.

Atento a estas e outras coisas pressinto a oportunidade de alcançar um grau de paz e humildade inquieta, frente ao mistério de não compreender plenamente, ainda, minha ligação essencial com o vazio e a imensidão do universo que me fez abrir os olhos e respirar.

Paulo Wagner é professor, escritor, jornalista e mestre em Estudos de Linguagens e Literatura.



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