Mãe Menininha Foi expoente do povo negro, se autodeclarando e reconhecendo origens
Maria Escolástica da Conceição Nazareth, ou Mãe Menininha do Gantois, estreou no século XIX, em 10 de fevereiro do ano de 1894, no Centro Histórico de Salvador/BA. Descendente de africanos escravizados, ensaiava na infância os rituais de dança do candomblé no terreiro de Ilê Lá Omi Axé Iamassê, fundado por sua bisavó.
Aos 08 anos foi iniciada no culto dos orixás, nunca mais tendo se afastado da missão. Foi aos 28 anos, em 18 de fevereiro do famoso ano de 1922, que ela foi empossada como ialorixá, mesmo com a pouca idade. Filha de Oxum, a divindade das águas doces, sabia se equilibrar quando o momento exigia doçura e ternura, ou, ainda, sabedoria e disciplina.
Relatam que tomava cuidado para não ferir as pessoas com palavras. Foi extremamente forte para conduzir por 64 anos o terreiro de candomblé mais respeitado e conhecido do país. Sofreu perseguição policial em seus cultos, até a chegada do século XX.
A sua vestimenta fazia com que as pessoas que dela se aproximassem fitassem os olhos em seus muitos adereços, principalmente os colares, e as rendas que enfeitavam saias e batas. É contado que muitas pessoas se aproximavam dela com reserva, que se desfazia com a meiguice que emanavam de conselhos a trazer esperança.
Foi uma expoente do povo negro, se autodeclarando e reconhecendo as suas origens. Conseguiu proezas em época de maior percepção machista, misógina e intolerante, por ser do gênero feminino e comandar por tanto tempo o Terreiro do Gantois. E a sua liderança foi respeitada, mesmo sendo mulher. Alcançou a fama, estando próxima de pessoas de todas as raças, credo e condições financeiras. Se pregou o sincretismo, esse era vislumbrado com maior força em estar com pessoas de todas as classes sociais, inclusive, chefes de estado.
Em vida conviveu com a intolerância religiosa, sabendo vencer os ataques pelo gênero, por ser negra e do candomblé. O fundamentalismo religioso e o extremismo a fizeram vítima de muita perseguição, que ela conseguiu contornar, passando a ser extremamente respeitada por pessoas de todos os credos. Se muitos e muitas não seguiam a sua crença, a respeitavam pelo nome construído ao longo de uma existência.
Na década de 30, Mãe Menininha enfrentou uma lei que condicionava a realização de rituais à autorização policial. Se articulou para que a norma não fosse aplicada. Em determinada ocasião, procurada pela autoridade policial disparou:
“Isso é uma tradição ancestral, doutor. Venha dar uma olhadinha o senhor também.”
É certo que nenhuma outra crença sofre tanto quanto as religiões de matrizes africanas. Outras religiões não são acusadas de demonizações das suas divindades, ou de praticarem atos criminosos, como essas. O desrespeito à ancestralidade e a prática de racismo são situações reais para as pessoas que as seguem. O feminismo tem se debruçado em protesto à pratica do ódio, violência e intolerância contra as irmãs que professam religiões de matrizes africanas, entendendo se cuidar de resquícios da escravidão.
Pensar em Mãe Menininha é a imaginar a dançar se embalando em rodas de candomblé ao som de agogôs, gãs, xequerês, abês e atabaques. Exercia a religião e louvava a cultura brasileira.
As palavras de Jorge Amado refletem a personalidade dessa amada mulher: “Mãe Menininha está acima de toda e qualquer divergência de ordem política, econômica ou religiosa. É a ialorixá de todo o povo da Bahia, sua mão se estende protetora sobre a cidade. Não se trata nem de misticismo nem de folclore e sim de uma realidade do mistério baiano.”
Maria Bethânia embalou ao som e poesia dedicada a ela: “Ai minha mãe/ Minha Mãe Menininha/ Ai minha mãe/ Menininha do Gantois/ A estrela mais linda, hein? Tá no Gantois/ E o sol mais brilhante, hein? Tá no Gantois/A beleza do mundo, hein? Tá no Gantois/ E a mão da doçura, hein? Tá no Gantois.”
Rosana Leite Antunes de Barros é defensora pública estadual.
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