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Opinião
Quarta - 08 de Março de 2023 às 04:23
Por: Alex Vieira Passos

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Aprendemos no banco de faculdade que é impossível usucapião sobre terras pertencente ao poder público, certo ? Errado, a resposta não pode ser taxativa assim e você só vai conseguir ver este outro lado da moeda em estudos aplicados na matéria.

Este tema tem especial relevância para a regularização fundiária rural, que é o da possibilidade ou impossibilidade de usucapião de terras sem dono ou de terras devolutas.

Por meio da usucapião, o possuidor dessas terras teria reconhecida sua propriedade sobre elas, o que poderia trazer benefícios regulatórios e econômicos. Se considerarmos as limitações impostas pelo Código Florestal à exploração das terras rurais, assim como a responsabilidade do proprietário sobre a preservação das áreas sob seu domínio, a regularização alcançada por meio da usucapião poderia até mesmo trazer benefícios à necessária proteção ao meio ambiente.

Terras devolutas ou terras sem dono?


Antes de prosseguir com a questão central da possibilidade ou impossibilidade de usucapião de terras devolutas e de terras sem dono, é necessário compreender a distinção entre esses dois conceitos.

Terras devolutas são terras públicas, ou seja, terras pertencentes às pessoas jurídicas de direito público: União, Estados, Distrito Federal, Municípios e suas autarquias e fundações públicas. Mas as terras devolutas não são apenas terras públicas, pois sua origem as aproxima às terras sem dono, por isso mesmo que os dois conceitos costumam andar juntos.

O conceito de terra devoluta foi consagrado na Lei de Terras (Lei Imperial nº 601/1850), que em seu art. 13º define que as terras devolutas seriam todas aquelas que não se achem aplicadas a qualquer uso público ou sob domínio particular.

Considerando o princípio de que toda a terra pertencia originalmente à Coroa Portuguesa, que realizou concessões a particulares, as terras devolutas seriam aquelas que, tendo sido entregues aos particulares, foram devolvidas ao poder público em razão de seu abandono ou desuso. Daí o emprego da expressão “devoluta”.

A princípio parece que todas as terras sem dono seriam terras devolutas. No entanto, as terras que foram devolvidas ao poder público são aquelas que no momento da publicação da Lei de Terras estavam abandonadas, o que não implica na conclusão de que todas as terras hoje abandonadas sejam necessariamente terras devolutas. Esse entendimento já havia sido destacado por Pontes de Miranda ao defender que “o conceito de terras devolutas não se confunde com res nullius ou terras adéspotas”. Nesse sentido, res nullius seriam exatamente as chamadas terras sem dono ou terras de ninguém.

A Lei de Terras poderia ser vista como um retrato, sendo que no momento de sua publicação todas as terras abandonadas teriam sido devolvidas ao poder público, mas esse retrato não pode ser estendido infinitamente. Parte das terras que foram originalmente devolvidas ao poder público podem ter sido adquiridas por diversos títulos ao longo dos anos. Assim como parte das terras àquela época sujeitas ao domínio particular podem ter sido posteriormente abandonadas, o que não implicaria na sua automática classificação dentro do conceito de terra devoluta.

Assim sendo, no ordenamento jurídico brasileiro coexistem as terras devolutas e as terras sem dono, não havendo uma confusão entre elas. Sua distinção é especialmente relevante quanto à discussão acerca da possibilidade de se adquirir seu domínio por usucapião.

Possibilidade ou impossibilidade de usucapião

No Brasil os bens públicos não são passíveis de usucapião por expressa disposição constitucional (art. 191, parágrafo único, da Constituição Federal). No mesmo sentido, o Código Civil disciplina em seu art. 102 que “os bens públicos não estão sujeitos a usucapião”. Também no Código Civil encontramos a definição de bem público, que tem a seguinte redação:

Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.

Logo, considerando que as terras devolutas são bens que integram o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, elas não podem ser adquiridas por meio de usucapião. O que não significa que as terras sem dono não possam ter por esse meio o reconhecimento de sua propriedade.

Mas como seria possível saber se uma terra é devoluta ou sem dono? Nesse caso, o ônus de provar a qualificação da terra como devoluta é do poder público, que precisaria entrar com um processo discriminatório para obter o reconhecimento de seu domínio sobre as terras que alega serem devolutas. A mera ausência de registro da terra não implica na presunção de que ela seria devoluta, de acordo com o entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça.

Portanto, caso alguém tenha cumprido os requisitos temporais de usucapião de uma terra que não tem registro, é possível pedir o reconhecimento de sua propriedade por meio do processo de usucapião. Caso o poder público entenda que aquela terra é pública, por ser devoluta, terá o ônus de provar seu domínio, não havendo uma presunção em seu favor apenas e tão somente pelo fato da terra não ter registro no cartório de imóveis.

O artigo dedico créditos ao colega Paulo Frederico estudioso do tema.

Alex Vieira Passos é advogado, especialista em direito imobiliário urbano e rural.



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