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Opinião
Sexta - 29 de Julho de 2011 às 10:34
Por: Karoline Garcia

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Uma prática tão comum e antiga quanto deplorável é o pagamento das chamadas “verbas de zelo” por parte de políticos, principalmente por ocupantes de cargos públicos nas esferas do poder, a jornalistas. Essa prática resume-se a: receber para não falar mal. Receber para dar uma “puxadinha” para o lado do referido “cliente”.

Logo que retornei a Rondonópolis vi de uma forma escandalosa como se dá esse processo de negociação. Um dos necessitados por infiltração na imprensa de forma positiva procurou um colega jornalista propondo negociação do zelo.

Como editora-chefe à época, aos 26 anos, estreando na função inclusive, me assustei com aquilo – sabia que existia, mas não ao ponto de ver um representante do povo ir até o veículo no desespero e fechar o acordo assim, na cara dura. Fui procurada pelo repórter, comunicada e informada de que não teria aceito a proposta indecente.

Passadas algumas semanas – e já com a saída do colega da redação -, no veículo onde ele passou a atuar, constantemente, via-se reportagens em defesa, ou simplesmente fazendo alusão ao referido senhor “desespero”.

O que pensar?  Senti alívio. Havia nos livrado de uma pessoa que realmente não compactuava dos mesmos princípios éticos e morais que aprendi ainda no berço.

O zelo é o câncer que está enraizado no jornalismo desde os primórdios da profissão. Uma coisa é ter poder público, ocupante de cargo público, como cliente, outra coisa é deixar de tê-lo como fonte e passar a ser uma espécie de “assessor especial na redação”.

Uma fonte revelou que um dossiê com a lista completa dos contemplados pela Câmara e Prefeitura de Rondonópolis circula por aqui. Não sei, não vi, nem quero ver. Mas, segundo a mesma fonte, para se ter uma ideia há casos de recebimento de até R$ 4.500 por um único profissional – não veículo é bom ressaltar. Fora as arrumações e apadrinhamentos, principalmente em casos quando já se trabalhou para políticos e ainda há uma espécie de fantasma rondando o colega.

Não critico colegas, critico a prática. Doa a quem doer posso falar de boca cheia sobre o assunto, afinal, nunca precisei sequer recusar, pois somente a postura que tenho diante disso já afasta qualquer possibilidade de assédio. Não fazer parte do rol dos zelosos não faz ninguém melhor que ninguém talvez, mas também não coloca no mesmo saco, o que já é uma vitória em tempos de tanta escassez de moralidade.

Omitir da sociedade o que quer que seja é uma afronta à democracia e ao acesso à informação livre e tão defendida por nós jornalistas. Pagar as contas no final do mês, bancar viagens, boa vida não podem e nem devem ser argumentos para que o jornalista se cale ou até dissimule a favor do “cliente”.

Sabemos que a prática não acabará jamais, mas é importante que o leitor tenha acesso a informações que mostrem que isso acontece, e que seja um alerta para mensurar a qualidade editorial de qualquer que seja o veículo. Até porque, por que “investir” num jornalista que não tem vínculos com veículo de comunicação? É no mínimo uma prerrogativa para estar na lista de contemplado: estar em algum veículo.

Prestador de serviço público recebe mediante nota fiscal e serviço prestado. Jornalista que recebe zelo tem meu total e inteiro desprezo, deixa de ser livre para opinar e, ao menos, aqui em Rondonópolis, quanto mais se leva mais se posa de paladino da imparcialidade – esse também é um sintoma grave de um “zeloso”.  Fique atento.

KAROLINE GARCIA é jornalista em Mato Grosso, editora do blog Santa Política – www.santapolitica.com.br



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