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Opinião
Sexta - 31 de Março de 2023 às 06:43
Por: Paula Tavares

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A Administração Pública, diferentemente do particular, não está autorizada a contratar livremente, mas deve, antes de tudo, se submeter aos critérios estabelecidos na lei, em observância ao princípio da legalidade.

A obrigatoriedade de licitar está prevista na Constituição Federal (art. 37, XXI) e a única ressalva que ela permite é para os casos especificados na lei, qual seja, a Lei nº 8.666/1993, que dispõe sobre normas gerais de licitação e contratos.

Como norma geral, a referida lei vincula a todos os entes federativos e prevê, dentre outras, as hipóteses legais para dispensa e inexigibilidade de licitação, bem como os crimes e as respectivas penas em casos de desrespeito à lei.


Para quem pensa que o único agente público que pode ser condenado por esse crime é o gestor público, sinto desapontar, mas está muito enganado. Vou te contar uma história que aconteceu exatamente o oposto, lá no município de Araçariguama, no interior de São Paulo.

O Juiz, ao analisar um caso que envolvia dispensa de licitação para contratação de peças de veículos e serviços destinados à manutenção da frota municipal, afastou a responsabilidade do ex-prefeito e do ex-secretário de administração e manteve apenas a do servidor responsável pelo setor de compras do município, por entender que era ele quem decidia sobre licitação e eventual dispensa.

Com essa conduta, o Judiciário entendeu que houve ofensa aos princípios constitucionais da isonomia, da impessoalidade e da moralidade administrativa

Essa decisão foi emitida pela 1ª Vara Criminal da Comarca de São Roque e, em 23 janeiro de 2023, foi mantida pela 13ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Proc. nº 0001239-76.2013.8.26.0586).

Nessa altura do campeonato você deve estar se perguntando, afinal de contas o que aconteceu com o servidor? Acredite se quiser, ele foi condenado à pena privativa de liberdade fixada em 05 anos de detenção, a serem cumpridos em regime inicial semiaberto. E quer saber o que ele fez para merecer isso?

Bom, caso você não saiba, o valor máximo permitido para dispensa de licitação para compras e serviços era de R$ 8.000,00 (art. 24, II, da Lei nº 8.666/1993) na época. Isso significa que, abaixo desse limite, a Administração tem a faculdade de escolher entre contratar diretamente com o particular ou realizar uma licitação e, acima desse limite, ela é obrigada a licitar.

Consta nos autos que o servidor, sob o falso argumento de urgência na reposição de peças e consertos da frota da Prefeitura Municipal, realizou diversas e sucessivas contratações com a mesma empresa e em valores imediatamente inferiores ao limite legal, caracterizando o fracionamento de despesas e simulação da hipótese de dispensa de licitação.

Com essa conduta, o Judiciário entendeu que houve ofensa aos princípios constitucionais da isonomia, da impessoalidade e da moralidade administrativa, além de prejuízo ao patrimônio público, eis que ele impediu que o ente municipal pudesse avaliar a proposta mais vantajosa proveniente de um procedimento licitatório.

Esse recente julgado serve como alerta a todos os gestores e servidores públicos que administram recursos públicos para que não se deixem corromper pelo poder que lhes foi conferido e não utilizem a máquina pública em benefício próprio ou de terceiros.

A regra é clara: se envolve contratação, tem que fazer licitação. E antes que eu me esqueça, a Lei nº 8.666/1993 está com os dias contados, pois a partir de 1º de abril de 2023 ela será revogada e substituída definitivamente pela Lei nº 14.133/2021 (nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos), que trouxe significativas mudanças, inclusive nas hipóteses de dispensa de licitação, mas isso é tema para outro artigo.

Paula Tavares é advogada, mestra e especialista em Administração Pública

*Os artigos são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do RepórterNews.



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