Cotidianos improváveis Uma crônica sobre bolos de queijo, carro antigo e visitas que se alongam
Desde antigamente, guardo na minha garagem um antigo carro preto para ser usado em caso de urgência.
Ontem à tarde me deu uma vontade louca de lanchar, fato que não é do meu hábito.
Queria comer um bolo de queijo de uma casa especializada que fica próxima ao edifício onde moro.
Fica a uma quadra da minha residência, podendo o seu trajeto ser feito a pé.
Pedi a minha enfermeira que desse um pulinho até lá e comprasse dois para mim e dois para ela, pois temos de controlar nossos pesos corporais.
O bolo de queijo é uma delícia, e se fosse deixar me guiar pela violência da minha vontade, teria que encomendar um prato só para mim.
O valor por unidade é de cinco reais.
Por preguiça a minha cuidadora pediu a chave do carro preto que estava na garagem do meu edifício
Por preguiça a minha cuidadora pediu a chave do carro preto que estava na garagem do meu edifício.
Ao abrir a gaveta que guarda a chave não a encontrei.
Telefonei ao motorista da minha filha, que é o responsável pela sua manutenção.
Ele me respondeu que estava com ele e não poderia me levar naquele dia.
A enfermeira foi caminhando e rapidamente estava de volta com as guloseimas.
O arrependimento chegou logo após a ingestão do delicioso bolo de queijo.
No outro dia, assim que acordei me pesei na balança do banheiro e para minha sorte meu peso não alterou.
Estou com todos os sinais e sintomas que quero “bis”, mas a minha força de vontade venceu a favor da minha saúde.
Na vida nossos atos devem ser tomados sempre baseados em pesquisas, não as acadêmicas da pós-graduação, mas as aplicadas.
Há muito tempo compro pelo celular os remédios da farmácia da cooperativa que pertenço, e eles me entregam em casa.
Como meus medicamentos são todos de uso contínuo estou perdoado de pagar a taxa de entrega, que é uma "merreca".
Sempre fiz essas compras no primeiro horário, quando a farmácia abre as suas portas.
O atendimento telefônico é demorado e o prazo de entrega domiciliar também.
Hoje um semi-feriado, me descuidei e fui comprar quase no crepúsculo.
No segundo toque do meu celular a funcionária me atendeu.
Fiz o pedido e em trinta minutos a medicação estava comigo, batendo um recorde que nunca havia acontecido comigo.
Todo mundo pensa que quem “vem à frente toma água limpa” e esperam a farmácia abrir para fazer as suas compras.
Resultado: isso causa uma longa espera pelo atendimento do celular, embalagem dos remédios, espera dos motoboys, engarrafamento do tráfico e a chegada em minha casa nunca é antes de três horas do pedido feito
O horário ideal para comprar remédios na farmácia da minha cooperativa é no entardecer.
Aprendi utilizando a pesquisa aplicada.
Bem antigamente, o meu antigo fisioterapeuta instalou na área de serviço da minha cobertura uma enorme banheira branca esmaltada para tentar recuperar os meus joelhos lesionados pela idade.
Após alguns meses de uso não obtive melhoras e abandonei espontaneamente o tratamento da hidroterapia com água morna e turbulenta.
Difícil foi convencer o fisioterapeuta a retirar a geringonça imprestável da minha casa.
Além de ser caro o translado, ele não tinha espaço em sua nova clínica.
Muitos dizem que aproveitei a onda do Covid 19, que exigiu distanciamento social, para não receber mais ninguém em minha casa.
Ela vivia cheia de familiares, professores, alunos, jornalistas, artistas, intelectuais, visitantes de fora, gente com tempo disponível para jogar uma conversa fora.
Com a minha idade avançada perdi muito desse tempo para escrever disciplinadamente.
As pessoas que me visitam alongam em demasia as suas conversas.
Além do imenso prazer das visitas que recebo, elas acabam se esquecendo que têm que retornar às suas casas.
Isso prejudica o meu trabalho, que é escrever, administrar a casa e um restinho de vida que ainda acho que tenho, para pensar bobagens que borbulham em meu cérebro.
A vida continua com seus pitorescos!
Gabriel Novis Neves é médico e ex-reitor da UFMT
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