Samba de uma nota só Se a vida não se renovasse o mundo seria assombrado indefinidamente
A penosa solidão se instala na velhice. Os entardecidos sofrem ao constatar que passaram a não ser mais úteis.
De não saber o que fazer com o tempo que custa a passar.
De dormir muito quando dormem pouco ou ocupam o ócio com o sono diurno que some nas noites intermináveis. Os amigos se afastam ou foram para outro plano.
Jovens apenas os toleram, pois não gostam de velhos que é um samba de uma nota só a se repetir indefinidamente. Enfim, um tomento a assombrar os vivos.
Se a vida não se renovasse o mundo seria assombrado indefinidamente, por estas criaturas que insistem deliberadamente em não abandonar o palco da vida.
Ando divagando ultimamente, pois o assunto deste texto, não era este, mas no final o reencontrará. Vamos lá:
Ele andava a procura de si mesmo, mas não se encontrava. Então, pelo caminho, encontrou-a e viraram uma alma gêmea a desafiar quaisquer obstáculos.
Enfim, destinos plasmados num só. Estavam contentes e felizes. E os vi dançando em uma boate de rostos colados, ao som de uma banda que tocava bossa nova. Bonito de ver e de sentir a energia positiva que emanava do casal que se viam num paraíso.
Não sabiam que a passagem por este lugar é efêmera. E, aí meu caro leitor tinha uma pedra no caminho! Uma maçã! Sim, uma maçã! E eles se fartaram com as delícias desta fruta. Esta doce iguaria era porta que levava para outros caminhos e destinos. Esta era a soberba rotina que os levou ao enfado!
Acho que sou prisioneiro do modo fixo, por mais que tente não consigo me livrar dele, pois me pego pensando na continuidade de que tudo foi criado e concebido para permanecer para todo e sempre.
Toda esta conversa fiada é para dizer do meu desencanto de constatar que um casal que eu conheci muito jovens, no auge da energia e que viviam atracados um ao outro como se quisessem se transformar num ser único e indivisível.
Passou-se muito tempo e constato que o único e indissolúvel se desfez e os vejo separados e, por alguma razão, que fere a minha percepção e contraria o modo permanente que me acompanha desde sempre e ia eu me pergunto por quê?
Depois de passado muito tempo, a separação não tem sentido, pois o que aconteceu não pode mais ser dissolvido, transformou-se em um bloco de concreto ou algo que se for cindido fenece. Ficam os dois sem rumo, como cachorros que caíram da mudança. Retomar o leme da vida, nestas circunstâncias, é penoso e, quiçá, inviável.
O hiato e a separação me incomodam. Enfim, este é o conservador que vive em mim para me lembrar sempre que a continuidade do mundo depende de mudanças, mas muitas coisas deveriam ser imutáveis e uma delas – que depende de zelo - são as relações que temos por aqui e nos mantêm vivos. E as antigas devem ser preservadas, pois a velhice com os amigos deve ser mantida e a união a dois conservada, pois assim, certamente, a vida será mais amena.
Enfim, para não dizer que não falei de samba canção: “a alegria desta vida é a cabrocha, o luar e o violão” (Chão de Estrelas de Silvio Caldas). Tudo o mais são divagações e desejos vãos, pois estes rabiscos, grafados aqui por este escrevinhador, são inúteis por não deterem o curso do fado e nem o correr da vida.
Renato Gomes Nery é advogado.
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