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Opinião
Sábado - 06 de Maio de 2023 às 04:51
Por: Luiz Henrique Lima

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Nenhuma doutrina religiosa é imune à política. Ambas são produto da inteligência humana e por vezes confundem-se. Ao longo da história, inúmeras vezes a fé religiosa foi utilizada como instrumento para justificar a submissão dos povos a estruturas de poder político, desde os faraós do Antigo Egito à anacrônica monarquia britânica em que o indivíduo reinante é automaticamente Chefe da Igreja Anglicana.

Neste período, líderes religiosos justificaram e promoveram dezenas de guerras de conquista e de extermínio, a escravização de dezenas de milhões de pessoas em todos os continentes, ditaduras, execuções e tortura (como na inquisição), censura e repressão a cientistas (como Galileu). Textos canônicos justificavam o racismo e a discriminação das mulheres, que até hoje são segregadas em certos templos e cerimônias.

Na realidade, as chamadas guerras religiosas sempre foram guerras pelo poder político e por interesses econômicos e não pela salvação das almas. Afinal, foi o próprio Mestre Jesus quem nos ensinou que o seu Reino não é deste mundo (João 18:36).

Em 1857, foi publicado um livro que lançou os alicerces de uma nova compreensão religiosa, marcadamente distinta de tudo o que então era dominante no mundo.


Numa época em que todos os países adotavam a pena de morte, esse livro a condenou categoricamente, tanto sob o aspecto moral como no material.

Em grande parte do planeta, inclusive no Brasil e nos Estados Unidos, a escravidão era a base da atividade econômica, possuindo sólidos fundamentos jurídico-políticos e o beneplácito, quando não a benção, das religiões hegemônicas.

Esse livro condenou a escravidão como um abuso intolerável e prenunciou seu desaparecimento à medida que a humanidade progredisse. Denunciou o racismo e proclamou a liberdade de pensamento e de consciência.

Em 1857, em nenhuma nação do mundo a mulher tinha reconhecida a sua cidadania e o direito de voto, o que só começou a mudar três décadas depois na Nova Zelândia.

Esse livro também foi pioneiro na proclamação da igualdade dos direitos das mulheres. Da mesma forma, antes mesmo da gênese das ciências ecológicas, condenou a destruição predatória da natureza.

Esse livro, que chegou a ser queimado em praça pública em autos-de-fé, hoje é lido e estudado diariamente por milhões de pessoas em todo o mundo.

Esse livro, que continua atual, inovador, surpreendente e revolucionário, é o Livro dos Espíritos, de Allan Kardec e constitui a base doutrinária do espiritismo.

Entendam-me: revolucionário, não no sentido da tomada do poder político e da substituição de um determinado regime por outro. Revolucionário sim, no sentido da grande transformação moral da humanidade, abolindo pensamentos e ações preconceituosas e discriminatórias de toda espécie e praticando a verdadeira fraternidade que o Mestre nos ensinou.

Assim, causam grande perplexidade certos posicionamentos adotados por personalidades muito conhecidas no meio espírita em franca contradição com a essência revolucionária da doutrina em nome da qual se apresentam.

Afinal, se o espiritismo nunca foi reacionário, não é compreensível ou justificável que proeminentes espíritas cerrem fileiras com notórios apóstolos do armamentismo e da pena de morte, apologistas de ditaduras e de torturadores, misóginos, homofóbicos e racistas.

Ao fazê-lo, comprometem-se pessoalmente, emprestando a credibilidade que alcançaram àqueles que se opõem aos princípios da liberdade, da igualdade e da fraternidade tão caros a Allan Kardec.

Convertem-se em instrumento dos que se opõem às leis do progresso. E confundem a mente de inúmeros aprendizes do evangelho ao apresentar como respeitáveis teses inaceitáveis, diametralmente opostas aos próprios fundamentos da doutrina espírita.

O próprio Mestre nos alertou contra os falsos cristos e os falsos profetas. Disso, infelizmente, nem o espiritismo está livre.

Luiz Henrique Lima é professor e escritor.



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