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Opinião
Quarta - 07 de Junho de 2023 às 04:45
Por: Suelme Fernandes

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Essa semana postei um vídeo do Senado Federal no grupo de what’s do Instituto Histórico Geográfico de Mato Grosso, onde estão todos os associados. No vídeo dois jornalistas afirmavam que a bandeira “do” Mato Grosso foi a primeira que surgiu depois da bandeira brasileira.

E que isso aconteceu 75 dias depois da oficialização da brasileira em 1889, o governador de Mato Grosso Antônio Maria Coelho oficializou nosso símbolo oficial em 1890.

Até aí tudo bem, vídeo bacana até que um confrade chamado Ernani Calháo exclamou em tom provocativo: “Quem fala que é do Mato Grosso não é de Mato Grosso” e que era lamentável que um canal oficial do Senado cometesse tal erro gravíssimo.

Eduardo Mahon saiu em crítica também repudiando o uso do pronome e que isso começou a acontecer com os fluxos de colonização pós-décadas de 70/80 quando começou a se falar desse jeito e que apesar de gramaticalmente ser errado a língua é dinâmica e isso está virando uma norma, infelizmente.


“Nunca pensei que aquele vídeo tipo Tok Tok iria provocar essa catarse entre esse seleto grupo. Mas seguiram-se outros debates”

A presidente do IHGMT, professora Neila Barreto rapidamente postou um texto do professor Germano Aleixo Filho, que destrinchava gramaticalmente o problema para dizer que já existem estudos apontando que se trata de erro gramatical grave o uso do Mato Grosso e não de Mato Grosso.

No texto Germano constata que “A Influência de nossos irmãos do Sul – notadamente os gaúchos e os paranaenses – trouxe, em meio a seus guardados, algo entranhado na pele: a cultura e a linguagem próprias do lugar de onde provieram. Lá, acostumados foram a dizer: Sou do Rio Grande do Sul. Moro no Paraná.”

Professora Anna Maria Ribeiro foi também na linha acadêmica afirmando que a língua é espaço de disputa de poder e que tem um estudo muito bom sobre o poder da nominação de autoria do sociólogo francês Pierre Bourdieau que aborda o tema, explicitando o sentido político ideológico enunciado. Nunca pensei que aquele vídeo tipo Tok Tok iria provocar essa catarse entre esse seleto grupo. Mas seguiram-se outros debates.

Professor Dr Ernani Calhao cuiabanissimo, ilustríssimo cutucou Mahon dizendo que jamais iria aceitar que um erro linguístico possa mudar a denominação do Estado. E mais, no seu interessantíssimo textão afirmou que a língua é viva mas que existem regras a serem observadas na norma culta.

Mahon ponderou, dizendo que sua intervenção era de natureza política e não de mérito e que inclusive ensina seus filhos a escreverem de Mato Groso. Calhao arrematou com classe, pois bem mas política tem limites também “Eu lhe entendo perfeitamente. Para mim a política também tem limites. Há referenciais que não podem ser tão relativos a ponto de perdemos a própria identidade.”

Mahon destacou que essas mudanças já vêm ocorrendo de faz tempo, há pelo menos mais de 40 anos e que língua é de uso corrente e que esse movimento é inevitável e não dá para querermos controlá-lo por mais absurdo que seja.

Evidentemente a sua abordagem bebe nos conceitos linguísticos de Marcos Bagno que reconhece que a língua brasileira se atualiza porque está viva.

Mas percebi uma questão política eminente no debate que revelava uma aparente oposição existente entre os mato-grossenses aqui nascidos com os chamados de fora que para cá vieram ou de coração. Aliás, essa aparente divisão ainda é recorrente em rodas de conversas no Estado, nos murmurinhos das ruas.

Afirmei que o gentílico mato-grossense estava em construção, apesar do esforço dos fundadores da Academia de Letras e IHGMT, com destaque a Dom Aquino Corrêa e José de Mesquita, mais notadamente. E que Mato Grosso ainda é uma fronteira de ocupação territorial e que vai continuar assim por muito tempo e que a definição de quem nós somos é por isso muito fluida e elástica.

Ressaltei que havia outra disputa não só de língua, mas também pelas memórias coletivas e que em muitos casos o abandono do patrimônio histórico mais antigo não é um acaso e sim um projeto para se contar uma outra história ou fazer um revisionismo histórico.

E que esse pensamento genocida e devastador que precisa destruir o patrimônio do outro para impor sua estética era uma violência simbólica. É uma batalha simbólica pelas memórias de Mato Grosso. A pergunta ontológica de quem e quando se descobriu ou inventou Mato Grosso é o pano se fundo dessas disputas simbólicas.

“Afinal porque ter apenas um pronome como verdade se podemos ter várias possibilidades de se comunicar, vária memórias sociais, variações linguísticas e patrimônios culturais”.

Nesse impacto das frentes de colonização da Marcha pra Oeste e Projeto de Integração da Amazônia 1940/1980 com os modos de vida locais causaram inúmeros estranhamentos negação/ aceitação com impacto inclusive sobre a arquitetura da Cidade.

Compartilhamos fotos, Mahon da Construção do Palácio Alencastro depois da implosão do antigo prédio Neoclássico no centro da cidade e eu publiquei os três momentos da igreja Matriz até quando foi dinamitada em 1968 e substituída por essa atual que completou 50 anos.

Falei que o último rei da principal Igreja da cidade não era mais cuiabano assim como não tem sido desde os anos 1990, mudou a cultura também.

Mas que até aí tudo bem, mas não precisava destruir o patrimônio histórico antigo para por outras memórias no lugar que poderíamos conviver com as várias fases do crescimento do Estado sem precisar apagar antigas memórias.

Cuiabá tinha se descuibanizado, os paus rodados venceram, nesse processo histórico e que restava de nossa parte apenas um certo bucolismo. Mahon fala sobre a consolidação de conceitos simbólicos pelo grupo hegemônico e que existem disputas por essas narrativas e que é necessário fazer esse debate no nível acadêmico mas que os movimentos na língua e no mundo são inevitáveis e intangíveis.

Ernani após visualizar todas as polêmicas que ele próprio desencadeou no grupo de maneira inteligente, pois fim a falsa polêmica agradecendo os gaúchos por nos provocarem e que todos nós devemos aprender nesse “talvez” erro histórico.

E Ísis Catarina arrematou graciosamente afirmando que “A percepção é de cada um. E o estudo é coletivo, assim, aprendemos sempre, e cada qual faz seu próprio entendimento.”

Trocamos algumas fotos antigas postais e mudamos de assunto. Espero que eles não me recriminem por ter revelado os meandros dos debates interessantíssimos de um grupo de confrades e confreiras, guardiões das memórias mato-grossense da mais antiga instituição de saber desse Estado que é de Mato Grosso, mas sobretudo também do Mato Grosso.

Afinal porque ter apenas um pronome como verdade se podemos ter várias possibilidades de se comunicar, várias memórias sociais, variações linguísticas e patrimônios culturais.

Toda vez que simplificarmos ou impormos uma determinada cultura hegemônica, alguém vai morrer um pouco nessa subjugação. Achei sabia a saída do grupo de entender que Mato Grosso era terra de todos nós e que precisamos aprender a conviver com nossos conterrâneos democraticamente procurando aprender com o diferente e não suplantá-lo.

Suelme Fernandes é mestre em História e articulista político.



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