Cooperativa Unimed e fraude de R$ 400 milhões: médicos cooperados e aspectos jurídicos
Recentemente foi divulgado nos diversos veículos da mídia local o escandaloso desfalque milionário ocorrido em uma famosa e respeitável cooperativa de trabalho médico de Cuiabá, que teria alcançado a inacreditável cifra de 400 milhões de Reais.
A suposta fraude teria origem na malversação dolosa dos valores arrecadados dos cooperados e usuários, e administrados pelos integrantes da gestão dos últimos anos, ao que parece, desde 2018, e que se findou apenas há alguns meses.
A atual direção da cooperativa, ainda segundo informações da mídia, teria contratado uma auditoria independente, a partir de dados preocupantes e de alegadas omissões relatadas pela auditoria externa feita pela ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar, a qual já vinha se reportando a indícios de irregularidades contábeis de grande vulto, sem que os dirigentes de então adotassem as necessárias medidas para sanar os problemas detectados.
Finalmente, em decisão da Assembleia Geral Extraordinária, datada de 28/06/2023, ficou assentado que os efeitos danosos decorrentes de valores a descoberto na contabilidade seriam minorados com o rateio dessas “perdas” pelos médicos cooperados.
Assim, o que fazer diante de uma calamidade deste porte?
Quais são as responsabilidades dos cooperados?
Quais são os direitos dos usuários e médicos cooperados?
É justo responsabilizar pelo prejuízo quem não contribuiu para o suposto desfalque ou desequilíbrio contábil?
Por isso, resolvi propor uma breve análise jurídica do tema, mais direcionada à classe médico, tendo em vista que muitos estão assustados com os efeitos desse acontecimento.
Que fique claro que essa análise é desvinculada do aspecto contábil.
Primeiramente, é importante conhecer a natureza jurídica de uma cooperativa, que está definida no art. 4º da Lei n. 5.764/1971, dispositivo que preconiza que as cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados”.
Para os fins deste breve artigo, basta invocar a finalidade para a qual as cooperativas são constituídas, qual seja, a de prestar serviços aos associados, conforme definido na lei correspondente.
Para alcançar tal finalidade, devem os associados contribuir financeiramente e com seus serviços profissionais para que a instituição consiga funcionar a contento e atingir sua missão institucional, o que significa, em suma, que o capital social da entidade cooperativa é constituído pela soma dos valores que os cooperados integralizam na forma de quotas-partes.
Por decorrência dessa circunstância de natureza legal, os associados (cooperados e ex-cooperados) possuem o direito de receber de volta o valor de suas quotas-partes quando se demitem da cooperativa, porém, por outro lado, havendo prejuízo financeiro, podem ser chamados a contribuir com o rateio das despesas, na proporção de suas quotas-partes, de acordo com o previsto nos arts. 21, III, e 80 da já citada Lei n. 5.764/71.
Esses são, de forma resumida, os principais deveres e direitos dos cooperados, quanto ao aspecto que importa na presente análise.
Contudo, havendo fraude ou dolo dos dirigentes da cooperativa, como sugerem as notícias veiculadas, passa a existir um aspecto importantíssimo que não foi omitido na lei de regência, a qual prevê em seu art. 44, § 2º, que “a aprovação do relatório, balanço e contas dos órgãos de administração, desonera seus componentes de responsabilidade, ressalvados os casos de erro, dolo, fraude ou simulação, bem como a infração da lei ou do estatuto”.
Em outros termos, havendo desaprovação do balanço contábil de determinado exercício financeiro, com comprovação de dolo, fraude ou simulação, os dirigentes da cooperativa serão responsabilizados pessoal e solidariamente, nos termos previstos expressamente nos arts. 13 e 49 da Lei n. 5.764/71, sendo possível ajuizar, por exemplo, a chamada ação civil ex delicto contra tais dirigentes, para reparação de danos causados a terceiros, após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Por conclusão, vê-se que os cooperados ativos durante o exercício financeiro em que se deu o desfalque contábil podem ser chamados, como no presente caso, a contribuir para o restabelecimento financeiro e higidez contábil da cooperativa, ainda que tenham deixado de participar posteriormente do quadro de associados, de forma a não inviabilizar o atendimento aos milhares de usuários dos respectivos serviços médicos.
Isso constitui uma obrigação legal, como visto, mas não impede aquele que se sentir prejudicado de procurar a tutela jurisdicional para reaver os valores tomados de seu patrimônio ou de seus rendimentos por força do dolo ou da fraude cometida pelos dirigentes, pois é a Constituição que prevê que nem a lei excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (CF, art. 5º, XXXV).
Como se constata, essa história “mal contada” está longe de seu fim, sendo certo, ainda, que este rumoroso caso suplanta a barreira do mero dano individual, porque atinge diretamente milhares de médicos cooperados e um número ainda maior de usuários do sistema cooperativo médico da Grande Cuiabá, os quais apostam na manutenção da boa qualidade do atendimento quando necessário à preservação de sua saúde, mas, ao mesmo tempo, possuem fundadas razões de dúvida, face ao valor do rombo estratosférico reportado.
Diante dessa situação, os usuários e médicos cooperados que se sentirem prejudicados, é interessante procurar um profissional da área jurídica de sua confiança, para obter informações e esclarecimentos acerca do que fazer diante do quadro de - fraude e lesão - provocados pelos ex-dirigentes da Unimed Cuiabá.
Gisele Nascimento é advogada.
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