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Opinião
Domingo - 13 de Agosto de 2023 às 04:07
Por: Neila Barreto

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Realizando as minhas pesquisas sobre “famílias migrantes e imigrantes para uma Cuiabá de 300 anos, onde consegui catalogar 900 delas, num universo de muitas”, por diversas vezes, fui de encontro com um posicionamento meio truncado sobre “esses migrantes e imigrantes, os negros, os índios (nativos), os estrangeiros, os dos arredores de Cuiabá, que por aqui chegaram para construir uma Cuiabá de 300 anos e serem nominados de “pau rodado”, “ pau fincado”, etc. Isso me incomodava muito. Ouvia. Saia.

E dizia, ainda vou atrás dessa resposta. Passados os tormentos da pesquisa, com o livro pronto e editado, fui buscar em Lenine de Campos Póvoas um acalento e uma explicação para o meu entendimento sobre essas possíveis interpretações de hostilidade, bairrismo e outros.

Lenine de Campos Póvoas nasceu em Cuiabá a 4 de julho de 1921 e faleceu na capital aos 29 de janeiro de 2003, aos 82 anos de idade. Filho único de um casal de intelectuais (Nilo Póvoas e Rosa de Campos Póvoas) teve uma educação primorosa com oportunidades de na infância e na adolescência, usufruir dessa condição.

Era membro da Academia Mato-grossense de Letras – AML, onde ocupou a Cadeira 33, patrocinada por Mariano Ramos e, ocupada anteriormente por Nicolau Fragelli e, atualmente, pelo professor Fernando Tadeu de Miranda Borges e, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso - IHGMT. Em 2021, o IHGMT irá comemorar o seu centenário com muito orgulho, lembrando da sua importância para Mato Grosso e para o Brasil.

Professor, jurista, conselheiro do Tribunal de Contas – TCE-MT, vice-governador do Estado de Mato Grosso, Secretário de estado e presidente, fundador e implantador da Fundação Cultural de Mato Grosso, atual Secretaria de Estado de Cultura, Esportes e Lazer – SECEL-MT, entre outros e, apaixonado pelas coisas, pessoas e culturas cuiabana e mato-grossense.

Viajando por meio de suas memórias encontrei em seu relato denominado “Cuiabanidade” que, um certo dia, quando Lenine Póvoas havia completado 64 anos de idade, alguém lhe perguntou o que ele entendia por “cuiabania”, assim escrito, minúsculo e sem acento.

Com o seu jeito simples e especial mais adiante respondeu: “sinceramente, não sei responder”. Pelo seu caráter, estudioso, pesquisador, refletiu e disse: “ se me perguntassem o que entendo por “CUIABÂNIA”, assim escrito em maiúsculo e com acento que, seria a região geográfica habitada pelos cuiabanos”, pode ter ocorrido um erro de datilografia, à época, ou não.

Prosseguindo, informa que, “ pelo que tenho visto, pretendem, alguns interpretar por “cuiabania” um presumível posicionamento bairrista dos cuiabanos, com características de segregação grupal, de hostilidade aos que vêm de fora e com objetivos de conservar intocáveis alguns hábitos e maneira de falar”. E, concluiu: “se alguém pensa que isso existe, deve estar vivendo em outro planeta”, afirmou Póvoas.

E aí, Lenine nos explica que, “ a característica mais saliente da sociedade cuiabana sempre foi a hospitalidade” e, que não conhecia “lugar algum em que os forasteiros sejam recebidos com maior afetividade e calor humano do que na cidade do Senhor Bom Jesus de Cuiabá, mesmo que uns poucos retribuam essa recepção com menosprezo e manifestações hostis”. Para Póvoas, a “hospitalidade está no sangue do cuiabano e ninguém conseguirá modificar. Nisso o cuiabano se assemelha ao carioca e ninguém conseguirá modificar.

Evoluindo nas suas explanações Lenine Campos busca nas memórias da cidade de Cuiabá, exemplos que confirmam esse comportamento dos cuiabanos, tais como: “ não foi por outro motivo que o espírito-santense Almirante Soído, que veio a Cuiabá, no século passado, em missão da Marinha de Guerra e, chamou-a de “ CIDADE AGARRATIVA” e, a elegeu para a sua morada definitiva”.

Almirante, poeta e escritor (Espírito Santo, 26/04/1822 – Cuiabá, 12/05/1889). Chegou a Cuiabá em 1857 e desempenhou importante papel na defesa da província de Mato Grosso durante a Guerra do Paraguai. Procedeu a levantamentos e sondagens dos rios Paraguai, São Lourenço e Cuiabá, e, ainda, exerceu vários cargos de direção da Marinha Imperial em Mato Grosso, sendo, inclusive, diretor do Arsenal de Guerra e Comandante da Flotilha. Após servir em outras províncias e obter a reforma militar, optou por Cuiabá para viver e produzir suas poesias. É Patrono da Cadeira nº. 12 da AML, conforme o portal de mato grosso.

Mais adiante, Campos informa que o francês, Almirante Augusto João Manuel Leverger, conhecido por Barão de Melgaço ou Bretão de Cuiabá, por Cuiabá se enfeitiçou e fez dela sua morada, até a sua eternidade. Seguiram seu exemplo, os paulistas Leowigildo de Melo, Gustavo Kuhlmann, Briene de Camargo, entre outros.

Para o jornalista carioca Luís Amaral que, por aqui passou, deixou registrado em seu livro “A Mais Linda Viagem”, suas memórias sobre Cuiabá e a hospitalidade cuiabana, quando diz: “ sob os telheiros da Cuiabá longínqua dormem intactos os tempos de antanho, com todos os seus hábitos e usanças. ” A população cultiva com rigor a sua religiosidade e a sua fidalguia.

O dr. Silvio Guimarães, um alto funcionário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, que passou por Cuiabá, na década de 40, a trabalho, testemunhou em jornal local que “ a hospitalidade do cuiabano é proverbial. (...) A própria Cuiabá é uma eterna casa de hospitalidade. (...) A capital é magnífica, conclui.

Para Lenine Póvoas, o CUIABANO não era apenas o que nascia por aqui, mas também o que se estabelecia por aqui, compartilhando conosco as dificuldades da vida (...) e desfrutando conosco das delícias de uma comunidade solidária e hospitaleira e, que hoje contribuiu para a construção de uma Cuiabá de 300 anos. Assim pensei e agi quando conclui o livro.

E foi isso que presenciei quando escrevi o livro ‘Gente que fez, Gente que faz: Cuiabá – inventário de famílias pioneiras cuiabanas, (no prelo), editado pela Editora Entrelinhas, onde esses migrantes e imigrantes ao integrarem ao meio social cuiabano, se sentiram como se pertencessem a uma só família. E todos se tornaram cuiabanos.

A exemplo, podemos citar: os Fortunato, os Cândia, os Ricci, os Gaeta, Biancardini, Maiolino, Carrión Carracedo, Mahon, Madureira Siqueira, Amini Haddad, Campos, Silva Campos, Acosta Benitez, Padilha, Corrêa da Costa, Santos, Miranda Borges, Calhao, Sardi, Lotufo, Hugueney, Oliveira, Novis Neves, Zahran, Zaviask, Zompero, Canavarros, Peraro, Silva Campos, Nunes da cunha, Sardi, Leverger, Capriata, Migueis, Pinheiro, Jacob, Baracat, Vieira, Maluf, Palma, Borralho, Cuiabano, Scaff, Mendonça, e tantas outras, inventariadas no referido livro.

Em trajetória sempre ascensional, o professor Lenine de Campos Póvoas conseguiu como poucos assegurar que a força de sua cultura e de ideias brilhassem contínua e intensamente. Escreveu Mato Grosso como ninguém jamais escreveu.

Neila Barreto é jornalista, historiadora e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso.



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