O silêncio delas A epistemologia do silêncio reverbera em locais femininos intensamente
O silêncio das mulheres tem sido recorrente. Ditos populares, preconceito quanto ao discurso, e frases de efeito a menosprezar. A quem interessa silenciar mulheres? Como, e por qual motivo, as mulheres são silenciadas?
Não é de hoje que se ouve dizer que as mulheres mais fáceis de conviver são as caladas. É certo que elas se fizeram “sem voz” por muito tempo. Já foi tema de muitas frases de efeito as palavras ditas por mulheres. “É muito mimimi”. “Gosto muito da fulana, mas a voz dela me cansa”. “Nossa, a fulana irá? Ela fala demais!”. “Essa mulher não pensa para falar.”
Segundo o dicionário, o silêncio pode ser descrito como a ausência completa de som ou ruído, ou o estado de quem se cala, se abstendo de falar. Já a fala pode ser conceituada como a linguagem oral para se manifestar.
No conhecido filme “O Silêncio dos Inocentes”, uma agente do FBI é escalada para desvendar fatos sobre um assassino de mulheres que arranca a pele das suas vítimas.
As cenas recheadas com muito suspense ditam que os espectadores precisam raciocinar através do que enxergam, com personagens que olham insistentemente para as câmeras, para trazer a perspectiva do prisma de quem narra, com o espectro da coação quase invisível. Não é à toa que foi o grande vencedor do Oscar na época, tamanha cumplicidade impingida no que se via, apenas.
Já o livro “O Silêncio das Mulheres”, da escritora Pat Barker, retrata o silêncio impingido para as mulheres durante a Guerra de Tróia, quando relegadas a rodapés, e comparadas a objetos, já que podiam ser trocadas ou vendidas como mercadoria na herança da guerra. Aliás, os contos mitológicos traziam o gênero masculino como a grande razão humana, lugar bastante distante para elas naquela era.
A epistemologia do silêncio reverbera em locais femininos intensamente. Parece brincadeira, mas: a conversa livre e aberta não é possível para todas as mulheres com os seus “parceiros” de vida. Muitas preferem se calar, a ter que ouvir dissabores humilhantes e constrangedores em situações a quatro paredes, ou diante de terceiras pessoas.
São muitas as mulheres em situação de violência doméstica e familiar que comparecem ao Núcleo de Defesa das Mulheres, o NUDEM, timidamente, como se estivessem a pedir favor. E a introspecção delas tudo tem a ver com a vida de violência a que são submetidas dentro de casa. Ao quebrarem o malfadado ciclo, fica manifesta a cabeça erguida e a voz postada com tonalidade de quem alcançou a liberdade. Sim, a liberdade daquela se encontrava refém com portas e janelas abertas.
Todavia, o que tem se presenciado, infelizmente, são mulheres caladas pelo feminicídio. Onde a voz ecoa, o grito soa, e, o corpo é morto. Tem sido muitos os relatos de mulheres aos gritos, ditos por testemunhas, e que só cessam com o último golpe. Muitas delas se calaram em vida, para não “desgostar” aqueles que chamavam de “amor”, onde a última forma de as calar de vez foi, covardemente, o feminicídio.
De onde vem o silenciamento delas? Das cavernas, das ruínas, da história... Não é possível identificar ao certo quando tudo começou. A realidade visível através dos dados oportuniza pensar em silêncio que elimina. Quando a voz tem ecoado o faz juntamente com último suspiro delas.
É de Glória Anzaldúa: “Eu terei minha voz: indiano, espanhol, branco. Eu terei a língua da minha serpente, a voz da minha mulher, minha voz sexual, a voz do meu poeta. Eu superarei a tradição do silêncio.”
Rosana Leite Antunes de Barros é defensora pública estadual e mestra em Sociologia pela UFMT.
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