Eu estive lá também “Todo ato educativo é também um ato político e revolucionário” Paulo Freire
Se estivesse vivo, hoje, 19 de Setembro de 2023 , Paulo Freire estaria comemorando 102 anos. Mas o seu desaparecidamento físico e até mesmo as perseguições que sofreu em vida e `as formas pejorativas e difamatórias que sua memória ainda sofre por parte de pessoas, grupos e instituições conservadoras, retrógradas, que se alinham no espectro ideológico da direita e extrema direita, bem próximas do nazi-facismo, não tem conseguido apagar o brilho de sua trajetória e sua grande contribuição ao pensamento educacional brasileiro e mundial.
“O I Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular foi culminância do grande processo de mobilização da sociedade civil brasileira. Reuniu 200 delegados representantes de mais de 70 instituições e movimentos de alfabetização, cultura e educação popular criados, entre 1960 e 1963, em todos os estados do país.
Este encontro não só colaborou para a definição e implantação da Comissão Nacional de Cultura Popular, oficializada por meio de uma portaria do Ministro da Educação e Cultura em 1964, como influenciou as diretrizes do Plano Nacional de Alfabetização, elaborado no final de 1963 e lançado no início de 1964. Tendo em vista a alfabetização de cinco milhões de alunos em dois anos, este plano comprometia-se com a promoção da cultura popular e propunha utilizar o sistema de alfabetização criado pelo educador Paulo Freire, experimentado com sucesso em Angicos, no Rio Grande do Norte”. Publicação Uesco, 2009 - Organização: Leôncio Soares Osmar Fávero”
Não sei precisar bem os dias, mas foi em Setembro de 1963, meu primeiro ano como estudante de Sociologia e Política, com apenas 21 anos de idade, na Escola de Sociolgia e Política de São Paulo que, como integrante da Equipe que iria fazer o primeiro “experimento” de Alfabetização de Adultos, utilizando o chamado “Método Paulo Freire”, tive a honra e o privilégio de participar daquele que foi um dos eventos mais importantes de minha vida e que visava, para a nossa equipe colher subsídios para o nosso experimento em Helena Maria, Osasco e que também serviu para a elaboração do primeiro Plano Nacional de Alfabetização de Adultos, fora dos parâmetros de outros métodos, como, por exemplo, a famosa campanha “De pé no chão” também se aprender a ler, um programa da Prefeitura de Natal, quando era Prefeito Jarbas Maranhão e Aluizio Alves Governador do Rio Grande do Norte.
Todavia, a “grande vedete” daquele I Encontro Nacional era a proposta já comprovada em Angicos, em Pernanbuco, desenvolvida por um ainda jovem educador, com apenas 42 anos naquele ano, que, posteriormente foi denominado de MÉTODO PAULO FREIRE DE ALFABETIZAÇÃO DE ADULTOS.
Necessário se torna mencionar que hoje seria o 102 aniversário de Paulo Freire, se este grande educador que revolucionou o pensamento educacional brasileiro, nascido em 19 de setembro de 1921, em Recife e falecido em São Paulo, em 02 de Maio de 1997; com apenas 75 anos, ainda estivesse vivo.
A proposta de Paulo Freire, era considerada bastante revolucionária tanto para a época quanto ainda hoje, não apenas como um método rápido de alfabetização de adultos, em apenas 40 horas; mas sim, porque construia todo o processo a partir da realidade do educando e seu universo vocabular, sempre integrado `a sua realidade, estimulando a reflexão crítica e criadora e, em consequência, o despertar da consciência social e política do educando, razão pela qual, era e ainda é considerado um método educacional subversivo pelos donos do poder e seus apoiadores.
Assim, nascia também nos estertores do Governo João Goulat, deposto por um golpe militar, poucos meses após a realização deste I Encontro Nacional de Alfabetização de Adultos e Cultura Popular, em 01 de Abril de 1964, que condenou diversos políticos, professores, professoras e militantes de esquerda e até da Igreja `a perda da liberdade, dos direitos políticos, o emprego, o encarceramento, `a tortura e exílio.
Paulo Freire também sofreu várias perseguições, foi preso e exilado, so retornando ao Brasil em 1979, após a aprovação da Anistia, durante o governo do último general Presidente João Figueiredo.
Como mencionado anteriormente, fruto daquele I Encontro Nacional, a proposta de Paulo Freire acabou sendo o embrião e núcleo básico para a Elaboração do primeiro Plano Nacional de Alfabetização, sendo Paulo Freire designado para ser o seu coordenador.
O sucesso dessa experiência, alfabetizando 300 pessoas em 40 horas, e a vitalidade dos movimentos sociais no período, especialmente estudantil, provocou a escalada do sistema em todo o país. Em fins de 1963 foi elaborado o Plano Nacional de Alfabetização, visando alfabetizar cinco milhões de jovens e adultos em dois anos.
Como estudante pobre que, além de estudar eu precisava trabalhar para se manter na cidade grande e ainda “descolar” tempo para a militância estudantil, política partidária e comunitária, integrei-me a um grupo de estudantes universitários de várias faculdades/universidades principalmente da USP, de diferentes cursos.
Nosso propósito foi a utilização do Método Paulo Freire de Alfabetização e podermos realizar o primeiro “experimento” com aquele método no Bairro Helena Maria, em Osasco, um bairro periférico, cujos residentes, em sua quase totalidade eram trabalhadores, a maioria nordestinos, principalmente na área da Construção civil.
Para estarmos devidamente habilitados precisariamos, pensavamos nós, conhecer pessoalmente o autor do Método e nada melhor do que participarmos daquele I Encontro.
Só que nós, estudantes, andavamos sempre “duros”, ou seja, sem recursos para pagar passagem, hospedagem e alimentação e podermos participar daquele evento super importante.
Conseguimos carona em avião da FAB e, esta foi a grande surpresa, ao invés de ficarmos hospedados em pensões ou hotéis, fomos convidados para nos hospedar na casa de Paulo Freire, no Bairro de Casa Amarela, em Recife.
Assim, com meus 21 anos, jovem também cheio de sonhos, inclusive sonhos revolucionários, para nós estar com Paulo Freire, dialogarmos com o mesmo sobre diretrizes e outras orientações sobre o Experimento a ser realizado com seu método, primeira vez fora do Nordeste, era algo maravilhoso, muito encantador e estimulava nossos sonhos de um Brasil sem analfabetos, sem oprimidos, caminho para a plena emancipação da população, principalmente da classe trabalhadora, tanto rural quanto urbana, pois aquele era exatamente o momento em que o Brasil estava deixando de ser majoritariamente rural, para ser um país urbano, com uma crescente população excluida e morando nas periferias das cidades, origem de tantas mazelas que ainda hoje, 60 anos depois, ainda permanecem em nosso país e nos envergonham tanto.
Interessante é que durante a década de 1960 as migrações rurais em dirreção `as periferias urbanas traziam consigo, principalmente os nordestinos que vinham para a Região Sudeste, principalmente para os bairros, depois cidades, da periferia da Grande São Pualo e do Rio de Janeiro e traziam toda a cultura originária, inclusive o analfabetismo, alienação política, o misticismo religioso que , imaginavamos nós, deveriam ser superados/superadas por uma alfabetização revolucionária e transformadora, a partir da consciência política dos alfabetizandos.
Aos poucos Paulo Freire, inclusive durante os anos de exílio foi dando corpo `as suas idéias e práticas educacionais, consideradas avanças e revolucionárias, que iriam moldar diversas gerações de educadores, desde então, transformadas em vários de seus livros, tais como: Pedagogia do Oprimido; Educação como prática da Liberdade; Pedagogia da Autonomia; Educação e mudanças e outras mais.
Neste contexto, ao comemorarmos mais um aniversário de Paulo Freire, sempre é bom refletirmos sobre a origem de seu método de alfabetização e, posteriormente, o desenvolvimento de seu pensamento pedagógico, social e político e a atualidade do mesmo, tendo em vista que o analfabetismo, a alienação política, a miséria, a exclusão e a violência contra os pobres e oprimidos ainda persistem na sociedade brasileira.
“O "Método Paulo Freire" é uma estratégia humanista de alfabetização de adultos que proporciona autonomia, consciência crítica e capacidade de decisão. O método consiste em escolher "palavras geradoras" comuns no vocabulário local para alfabetizar as pessoas em 40 horas. Paulo Freire se volta aos oprimidos e demonstra que eles possuem letramento, o da leitura do mundo, o da leitura da sua realidade e que este é um reforço para um letramento escrito que ultrapasse e transforme as práticas de dominação em uma “práxis revolucionária” em “co-laboração” em dialogo. O método surgiu da preocupação de Paulo Freire com os excluídos, principalmente os analfabetos das zonas rurais. O método não é fechado, com padrões pré-definidos, e deve ser reformulado de acordo com cada turma”ANDREY TEIXEIRA Lucila Conceição Pereira e outros.
Oxalá, a nossa juventude, principalmente a parcela que continua privilegiada ao atingir niveis educacionais cada vez mais elevados, chegando, inclusive na universidade, graças `as políticas de inclusão, também despertem a consciência tanto para a atualidade do pensamento de Paulo Freire quanto para a necessidade de mudanças mais profundas e estruturais em nosso país, para atingirmos os patamares de participação e empoderamento da classe trabalhadora no processo político, social, cultura, ambiental e eonômico nacional.
É neste contexto que a alfabetização de adultos e uma educação pública de qualidade, laica, transformadora tem o seu papel e seu espaço no presente e no futuro de nosso país.
Reverenciar a memória, o pensamento pedagógico e a luta de Paulo Freire é um legado que tem passado por diversas gerações, contribuindo para manter viva a esperança e o sonho de um Brasil melhor para todas as pessoas, sem exclusões e miséria.
Juacy da Silva é professor titular, aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso.
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