De lágrimas
Carneiro morre ajoelhado chorando em silêncio. No reino animal a vida é a peça da cadeia alimentar. Para o homem, em sua individualidade e, para o Estado, é algo vulgar, como se viu na escravatura brasileira, nos campos de concentração nazista e se vê nas limpezas étnicas corriqueiras nos continentes africano e asiático, mas que também aflora na dita civilizada Europa.
O ser humano morre fisicamente independentemente de sua idade. Mas a grande morte do homem é quando o Estado rouba sua dignidade, fere sua alma, dobra sua espinha, tira o pão de seus filhos, surrupia sua casa e o lança juntamente com sua família no olho da rua.
O Estado brasileiro esteve a um passo de cometer genocídio moral que resultaria numa legião de seis mil adultos e crianças ao léu no Vale do Araguaia. Essa gente de mãos calejadas comete diariamente o ‘crime’ de ganhar o pão com o suor do rosto cultivando lavouras ou cuidando de pequenos rebanhos leiteiros numa rotina que atravessa décadas na área de 168 mil hectares que pertenceu a uma multinacional ligada ao Vaticano, que lhe deu o nome de fazenda Suiá-Missú e que mais tarde se tornou a terra indígena Marãiwatsede dos xavantes.
Depois de longa exploração da Suiá-Missú e de vender partes dessa gleba, a multinacional desistiu de seus investimentos no Araguaia. A ocupação desordenada da Amazônia Legal resultou na invasão da fazenda. Na Europa seus donos faziam silêncio. Porém, quando da conferência Eco-92 os proprietários doaram tal área para que o Brasil a transformasse em reserva indígena, pois anteriormente xavantes perambulavam na região, onde ganharam grandes reservas demarcadas.
Sem conhecimento da tramitação processual do caso os posseiros continuaram trabalhando.
A situação ganhou contornos de dramaticidade com uma sentença com trânsito em julgado mandando despejá-los para entregar a terra aos índios. No mês passado o juiz federal Julier Silva mandou executar a sentença dando 20 dias para a desocupação. Porém, essa decisão foi derrubada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF) e assim permanecerá até que a Funai e o Ministério Público Federal “apresentam solução viável para a desocupação”.
Conheço alguns posseiros. Estive em suas casas. Os ouvi nos últimos anos. Os vi apreensivos, tristes, sem rumo. Espero que o governo federal entenda que a permuta é a solução viável exigida pelo TRF para reverter o cenário que se vislumbra antes que em tantos rostos marcados pelo tempo e o trabalho ao sol rolem silenciosas lágrimas de quem vê a mão do Estado arrancar sua dignidade.
Eduardo Gomes é jornalista
eduardo@diariodecuiaba.com.br
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