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Opinião
Terça - 30 de Janeiro de 2024 às 00:21
Por: Alexandre Campos

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Desde a queda de Dilma Rousseff, em 2016, o discurso antipetista abrigou uma série de narrativas aligeiradas a respeito dos sistemas educacionais.

Em primeiro lugar, como não faziam ideia do que se tratava a escola pública, assim, cuidaram de inventá-la. Imaginaram:

- Uma escola atrelada a um partido político (a ser combatida pelo movimento "escola sem partido");

- Uma escola que ameaçava a masculinidade dos nossos meninos (a ser combatida pela "escola sem ideologia de gênero");

- Uma escola dominada pelos profissionais da educação (a ser combatida pela flexibilização dos critérios para a docência, de modo que pessoas com certos "saberes práticos" e sem formação pedagógica pudessem lecionar. Seria algo como "escola sem docentes");

- Uma escola burocratizada, poluída por diretrizes e normas expedidas pelos sistemas de ensino (a ser combatida pelo homescholling, também conhecido como "escola sem escola").

O segundo ato desse teatro épico teve como foco uma maior ocupação do território escolar. Para tanto, reformularam as pautas: de uma "escola sem ..." passaram a defender uma "escola com ...": principalmente "com" um currículo readaptado (a BNCC) e "com" trabalhadores menos freirianos (os militares). Esse avanço no território das escolas só foi possível por conta do patrocínio do Governo Federal e de vários outros governos subnacionais.

O terceiro ato, edificado concomitantemente ao segundo, foi o de dar visibilidade ao argumento da melhoria da qualidade de ensino. Assim, ao invés de uma suposta escola pública freiriana, propunham um novo modelo de escola: o modelo militar, assentado na promessa da melhoria da qualidade de ensino.

O equívoco em se associar militarização e qualidade de ensino

Muitos estudos apontam imperícias estatísticas, anacronismos e descontextualizações nas afirmativas que enaltecem a escola militar como a solução pedagógica para o ensino brasileiro. (Pinheiro; Pereira; Sabino, 2019).

Os diretores das escolas brasileiras, ao responderem os questionários contextuais do Saeb de 2021, confirmaram muitos dos argumentos trazidos por esses estudos.

Gráfico 1 — Critérios adotados para a seleção de alunos nas escolas militares ou não-militares

Grafico 1.png

Fonte: Elaborado pelo autor a partir dos microdados do Questionários do Diretor - Saeb 2021.

Mesmo com um percentual relativamente pequeno, o uso de provas de conhecimentos como critério de seleção dos alunos é seis vezes maior entre as escolas militares. Chama a atenção, também, o uso de sorteio nas escolas militares: dezessete vezes maior que nas escolas não militares.

Agrava esse quadro a cobrança de taxas, prática mais presente nas escolas militares, como demonstra o gráfico seguinte:

Gráfico 2 — Percentual de escolas que cobram taxas das famílias dos alunos, por modelo de escola

Gráfico 2.png

Fonte: Elaborado pelo autor a partir dos microdados do Questionários do Diretor - Saeb 2021.

Por óbvio, esse critério de seleção indireto afasta as famílias de menor renda. Por si só, o critério de seleção dos alunos já impediria comparações entre escolas militares e não militares a partir dos resultados das provas nacionais. Mas as diferenças não ficam só aí.

No caso de Mato Grosso o percentual de diretores das escolas militares que afirmam terem recebido apoio satisfatório da Secretaria de Educação é maior que o das escolas não militares: 89% (militares) contra 86% (não-militares).

Gráfico 3 — Apoio das secretarias de educação às escolas, por modelo de escola

Gráfico 3.png

Fonte: Elaborado pelo autor a partir dos microdados do Questionários do Diretor - Saeb 2021.

O gráfico 3 aponta um dado ainda mais alarmante: o percentual de diretores que dizem iniciar o ano letivo com quadro completo de docentes. No caso das escolas militares chega a 83%, contra 75% nas escolas não-militares.

Considerações finais

Esses e outros dados nos leva a imaginar que o ufanismo pelo modelo de escola militar guarda relação menos com os fatos e mais com o discurso da escola dual, marca indelével de nosso sistema escolar desde os jesuítas. Nessa lógica há diferentes escolas para diferentes públicos. Via de regra, as escolas para as elites concentram os recursos públicos e tendem a obter melhores resultados.

Acredito que ao invés das pirotecnias midiáticas em torno das escolas militares, seria melhor oferecer a todas as escolas o mesmo apoio, inclusive com quadro de professores completo desde o início do ano letivo.

Estaria eu sendo muito ousado ao defender a escola única, obrigatória, para todos? Ao que parece, esse ideal escolanovista completará um século sem ser implementado de fato.

Antes de concluir esse texto um pensamento me assombra: será que, ao debater argumentos estatísticos, pedagógicos e históricos, estou a colaborar com uma cortina de fumaça para esconder o motivo real das escolas militares? Qual? Manter um enorme cabide de empregos aos "provechosos" militares brasileiros.

REFERÊNCIAS

PINHEIRO, Daniel Calbino; PEREIRA, Rafael Diogo; SABINO, Geruza F. Tomé. Militarização das escolas e a narrativa da qualidade da educação. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, Goiânia, v. 35, n. 3, p. 667-688, 2019. Disponível em: http://educa.fcc.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2447-41932019000300667&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 24 jan. 2024.

Alexandre Campos é gestor governamental em Mato Grosso



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