Cidadania Concreta
O Brasil é um dos países que mais arrecada impostos no mundo, ostentando uma hiperbólica carga tributária. Todavia, conforme estamos fartos de saber, os serviços de saúde, segurança e educação são calamitosos. Falta gerência e sobeja corrupção. A sociedade, por conseguinte, carcomida pelos impostos, tem que conviver com a falta ou a deficiência dos serviços públicos mais básicos, já que milhões de reais, cotidianamente, nos âmbitos municipal, estadual e federal, são desviados de sua finalidade: o correto emprego da verba pública em beneficio da população.
Mesmo diante dessa situação caótica, é raro vermos qualquer grupo social organizando-se através de marchas, passeatas ou congêneres, no sentido de mobilizar a sociedade civil e o poder público para o enfrentamento de tais problemas. Faltam, então, as marchas contra a corrupção, contra a violência, contra as drogas, contra a pedofilia, contra o desmatamento etc.
Paradoxalmente, o que temos visto são pessoas marchando pelas drogas, pelo sexo ou pela vadiagem, com a guarida da mais alta instância judicial do país, em nome do direito de liberdade – talvez o vocábulo “libertinagem” seria mais adequado.
Inclusive, vale dizer, por ironia do destino, às vésperas da “Semana Nacional de Prevenção ao uso Indevido de Drogas” (19 a 26 de junho), que tem por mote conscientizar e mobilizar a sociedade sobre os problemas e as atividades de redução da demanda e oferta das substâncias entorpecentes, o Supremo Tribunal Federal legalizou a “marcha da maconha”.
Logicamente que a decisão é juridicamente defensável. Afinal, como qualquer lidador da arena jurídica sabe, no Direito há teses e decisões para todos os gostos, um verdadeiro cardápio doutrinário e jurisprudencial, a depender do ponto de vista e interesse do intérprete ou do freguês.
Todavia, até a pedras sabem que as drogas constituem um gravíssimo problema humanitário, pois assolam a todos, desde a pessoa-usuária, passando por sua família e pelo Estado, até a sociedade, que vive aterrorizada pelas ações criminosas, movidas em torno do tráfico: furta-se, rouba-se e mata-se por sua causa.
É o triste quadro. Dizem os filósofos que a decadência de uma sociedade começa quando a pessoa pergunta a si própria “o que vai acontecer?” em vez de inquirir “o que eu posso fazer?”.
Logo, o imperativo ético da ação deve substituir a resignação.
Como solução para essa crise não enxergamos outro caminho senão o da aproximação da sociedade com o poder público, a união de forças. A irresignação e a cobrança pelo respeito de seus direitos. Não há mais lugar para a omissão e o silêncio cúmplice.
Daí que já não basta dizer basta. É preciso mais. É imprescindível sair da zona de conforto, abandonar a “lei do umbigo”, arregaçar as mangas e adentrar na luta para fazer bastar. Mas como?, alguém indagará.
A título exemplificativo: pela participação nas reuniões da escola dos filhos e da comunidade em geral; pela participação dos diversos conselhos municipais; pelo reclame de formulação de políticas públicas exequíveis com o condão de concretizar a ampla gama dos direitos da sociedade; através de marchas e outros atos panfletários contra as drogas, contra a corrupção, contra a violência etc.; por meio da cobrança rígida e inflexível das autoridades constituídas para que cumpram com zelo e eficiência seus deveres para com a sociedade; e por meio da fiscalização contínua do cumprimento das atividades dos detentores de cargos ou funções públicas e, constatado qualquer desvio ético ou legal, que haja a cobrança para o órgão competente no sentido de adotar as providências cabíveis de correção e punição.
Isso tudo é um bom começo.
Aliás, Tancredo Neves deixou-nos esta lição: "a cidadania não é atitude passiva, mas ação permanente, em favor da comunidade".
Portanto, é tempo de hastearmos a bandeira do exercício concreto da cidadania no seio da sociedade. Corresponsabilidade é a palavra de ordem. Sejamos, então, todos corresponsáveis pela solução dos problemas sociais.
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