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Opinião
Segunda - 10 de Junho de 2024 às 00:41
Por: Auremácio Carvalho

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Carlos Drumond de Andrade, consagrado escritor e poeta brasileiro, tem um poema “ No Meio do Caminho”, que começa assim: ”no meio do caminho tinha uma pedra; tinha uma pedra no meio do caminho”.

A pedra que vou comentar se refere a discrepância que se verifica na dinâmica social-vida comunitária, cultural, política, religiosa, ética e moral, etc, e a legislação brasileira, no caso, as leis escritas, portanto, positivadas em códigos, CF, leis comuns e especiais.

Ou seja, na maioria dos casos, a sociedade caminha a passos largos na adoção de princípio éticos e comportamentais, no seu dia-a-dia, enquanto, a passos de tartaruga, caminha a legislação e a normatização dessa realidade, muitas não legislando sobre o assunto ou se omitindo de fazê-lo, para não melindrar “suas bases- sociais, religiosas,ou polítcas, grupos de pressão” que dão sustentação a ação política dos parlamentares. A chamada “pauta de costumes” é um exemplo.

A também chamada “bancada evangélica” no parlamento nacional, pretende impor e está conseguindo, seus valores e ética, principalmente, comportamental, a toda população brasileira: aborto, drogas, questão de gênero, religião etc.


Ora, os evangélicos representam cerca de 30% da população, para raciocínio, de 210 milhões de habitantes do Brasil, são, 70. E, onde ficam as opiniões dos outros 140 milhões, não evangélicos (católicos, judeus, mulçumanos, espiritas, ateus, agnósticos e outros?).

Não contam? O parlamentar representa somente os evangélicos, ou foi eleito pelo eleitor/a de qualquer ou nenhum credo? Outra constatação, é que, por comodismo político, é muito melhor empurrar para as costas do judiciário, principalmente, o STF, a discussão de temas que possam “incomodar” o eleitorado: aborto, questão de gênero, drogas, família, do que enfrenta-los, com uma discussão nacional em audiências públicas, ouvindo-se os especialistas no assunto, religiosos, sociedade organizada, etc. Porque o STF tem a obrigação de discutir sobre a quantidade de drogas que uma usuário possa portar?, ou, estabelecer em que semana, um aborto é permitido?

Ou, decidir (legislando, portanto) sobre casamento de pessoas do mesmo sexo, aborto de feto anencelálo (sem cérebro, com escassa possiblidade de sobrevivência normal)? Cassar mandatos de parlamentares ou decidir sobre assuntos internos de funcionamento do parlamento? Não seriam tais assuntos melhor apreciados no Parlamento, que é o foro adequado para tal? E, ainda, melhor positivados em legislação nacional e não por acórdãos judiciais?

Família, por exemplo, o conceito de família da CF/88, alargou o entendimento legal de família, no art. 226, & 3, para a união estável, e, no & 4, para qualquer dos pais e seus filhos. Ora, a sociedade brasileira, incluindo parcela significativa do Parlamento nacional, ainda entende família como na década de 1950- pai, mãe e filhos-(biológica e nuclear) E, o que dizer, da união com efeito de casamento, entre pessoas do mesmo sexo, “legislação do STF”, ainda não incorporado em lei positivada? E, da proibição, em qualquer situação do direito ao aborto, ora em discussão no parlamento, quando o Código penal, já elencou as possibilidades, ou seja, “risco de vida à mãe e, violência sexual (estupro), com o acréscimo não legislativo do STF, citado acima. A população em geral, vai acatar essa pauta, restrita dos evangélicos? (Eu, como evangélico, sou protestante), não acato; pois será criminalizar a mulher que abortar, por exemplo, o feto resultante de estupro ou, sem condições de vida saudável. Há um axioma da ciência matemática, que diz que “ duas linhas paralelas se encontrarão ou se cruzarão no infinito”.

Essa, sem resumo, a situação da realidade social brasileira e a legislação positivada que regem as condutas sociais, nesse complexo e “ abençoado país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza” no dizer do filósofo Jorge Bem Jour, em conhecido samba maravilhoso. A nossa convivência social, nossos valores e ética pessoal, moral, familiar e, às vezes, religiosas, muitas vezes conflitam com a lei positiva estabelecida para nos dar um mínimo de coesão social e legal, como nação, povo e cidadania e não apenas, Estado; quando, a ignoramos ou a rejeitamos, para impor ideologias ou pautas baseadas em preceitos (e até, preconceitos) religiosos, por exemplo, em geral, tirados dos seus contextos teológicos e históricos, como vemos hoje, em várias manifestações de profetas modernos, ungidos ou enviados, impondo-os a todos seu fiéis e parlamentares, sem debate público, mas apoiados por uma bancada legislativa (legitima, sem dúvida), que, diz representar o Brasil todo, ignorando a nossa complexidade cultural e social, como salientamos. É o dilema das linhas paralelas.

Um dia, num infinito, vão se encontrar, num diálogo entre parlamento e o povo/sociedade, franco e aberto. Utópico? (“gr. Lugar nenhum”), talvez. Depende de aprendermos a usar nossa cidadania, nosso poder de ouvir, concordar ou discordar, respeitar a opinião diversa da nossa, não querer impor a qualquer custo, nossa “verdade”, única e final, a todos; afinal, “o homem é um animal político”- (polis- cidade, cidadania), senão, como disse o filosofo Aristóteles- IV século antes de Cristo, em “Politica”, caso contrário, “ o homem seria um deus ou uma fera”, se isolado espacial ou socialmente. Aos nossos legítimos e honrados parlamentares, cabe também a advertência do filosofo grego. Viver em sociedade tem limites.

É preciso conhece-los e respeita-los, todos nós.

Auremácio Carvalho é advogado.



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