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Opinião
Sábado - 21 de Setembro de 2024 às 00:44
Por: Gonçalo Antunes de Barros Neto

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Peter Gay, renomado historiador e autor, é amplamente reconhecido por sua investigação profunda dos fenômenos culturais e psicológicos que moldaram a modernidade. Sua obra "O Cultivo do Ódio" (The Cultivation of Hatred) é o terceiro volume da série A Experiência Burguesa e explora de maneira exaustiva o desenvolvimento do ódio na sociedade ocidental durante o período que vai do século XIX ao início do século XX.

Ele parte de uma análise da burguesia, que ele considera uma classe fundamental para entender as dinâmicas sociais da modernidade. O crescimento dessa classe não foi apenas econômico, mas também cultural e psicológico. Para Gay, o ódio não foi um mero subproduto do conflito entre classes ou da disputa pelo poder, mas um fenômeno que encontrou na burguesia o campo ideal para se desenvolver.

Segundo esse pensador, há impacto da repressão sexual na formação do ódio, um tema amplamente inspirado nas teorias freudianas. Peter Gay, que também escreveu uma biografia intelectual de Sigmund Freud, utiliza conceitos psicanalíticos para desvendar as tensões emocionais e os conflitos internos que permeavam a sociedade burguesa, especialmente no que tange às questões sexuais. Freud, em sua obra "O Mal-Estar na Civilização" (Das Unbehagen in der Kultur), argumenta que a repressão dos impulsos humanos cria frustrações e tensões que podem se manifestar em formas destrutivas, como o ódio e a violência.

Essa abordagem freudiana é essencial para a análise de Gay, que vê o ódio como uma consequência inevitável das tensões entre os instintos reprimidos e as normas sociais rígidas impostas pela moralidade burguesa.


Gay argumenta que o ódio, nesse contexto, não era apenas uma emoção privada, mas algo que poderia ser manipulado e dirigido

O cultivo do ódio também está ligado à ideia de violência como prática cultural. Durante o século XIX e início do século XX, a violência era frequentemente justificada e até mesmo romantizada em certos círculos sociais, como, por exemplo, o duelo, visto como uma forma de resolver disputas entre cavalheiros, uma prática que refletia as tensões internas da classe burguesa, que oscilava entre a repressão moral e a necessidade de afirmar sua posição social.

Gay argumenta que o ódio, nesse contexto, não era apenas uma emoção privada, mas algo que poderia ser manipulado e dirigido em direção a grupos específicos, como as mulheres, os trabalhadores, os imigrantes e as minorias raciais. A violência, quando enraizada em preconceitos sociais e políticos, era frequentemente legitimada. Aqui, Gay se alinha com a análise do sociólogo Max Weber, que, em sua obra "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo", observou como as estruturas de poder e dominação são sustentadas por uma racionalização social que pode incluir, em certos casos, a aceitação da violência como uma forma de manter a ordem social.

Ao longo de "O Cultivo do Ódio", Peter Gay também se debruça sobre a questão do preconceito racial e étnico, que se intensificou no final do século XIX e contribuiu para a eclosão de conflitos no século XX, incluindo as duas Guerras Mundiais. Ele demonstra como o ódio foi racionalizado em discursos pseudocientíficos, como o darwinismo social e o racismo científico, que procuravam justificar a superioridade de certos grupos sobre outros.

Essa racionalização do ódio encontra paralelos no pensamento de filósofos como Hannah Arendt, que em sua obra "Origens do Totalitarismo" argumenta que o racismo e o imperialismo criaram as condições para o surgimento dos regimes totalitários do século XX. Arendt destaca como o ódio, quando institucionalizado e transformado em política de Estado, pode levar à destruição em massa e à desumanização de populações inteiras.

Da mesma forma, Gay examina como o ódio racial e étnico foi utilizado por elites políticas e econômicas para dividir e controlar as massas, promovendo guerras e genocídios. "O Cultivo do Ódio" é uma obra que transcende a mera narrativa histórica para oferecer uma análise rica e multifacetada das raízes culturais, sociais e psicológicas do ódio na modernidade.

É por aí...

Gonçalo Antunes de Barros Neto tem formação em Filosofia, Sociologia e Direito



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